caída no absurdo, o recurso à prisão, ao asilo, à psicanálise, etc. O próprio desvio, as diferentes formas de marginalismo são codificadas para funcionar como válvulas de segurança. Em suma, as mulheres são os únicos depositários autorizados do devir corpo sexuado. Um homem que se desliga das disputas fálicas, inerentes a todas as formações de poder, se engajará, segundo diversas modalidades possíveis, num tal devir mulher. É somente sob esta condição que ele poderá, além do mais, devir animal, cosmos, carta, cor, música. O homossexualismo, por força das circunstâncias, é portanto, inseparável de um devir mulher - até mesmo o homossexualismo não edipiano, não personológico. O mesmo é válido para a sexualidade infantil, a sexualidade psicótica, a sexualidade poética (exemplo: a coincidência em Ginsberg(4) de uma mutação poética fundamental e de uma mutação sexual). De modo mais geral, toda organização “dissidente” da libido deve assim compartilhar de um devir corpo feminino, como linha de fuga do socius repressivo, como acesso possível a um “mínimo” de devir sexuado, e como última tábua de salvação frente à ordem estabelecida. Se insisto nesse ponto é porque o devir corpo feminino não deve ser assimilado à categoria “mulher” tal como ela é considerada no casal, na família, etc. Tal categoria, aliás, só existe num campo social particular que a define! Não há mulher em si! Não há pólo materno, nem eterno feminino...A oposição homem/mulher serve para fundar a ordem social, antes das oposições de classe, de casta, etc. Inversamente , tudo o quebra as normas, tudo o que rompe com a ordem estabelecida, tem algo a ver com o homossexualismo ou com um devir animal, um devir mulher, etc. Toda semiotização em ruptura implica numa sexualização em ruptura. Não se deve, portanto, a meu ver, colocar a questão dos escritores homossexuais, mas sim procurar o que há de homossexual em um grande escritor, mesmo que ele seja, além disso, heterossexual. 42 Parece-me importante explodir noções generalizantes e grosseiras como as de mulher, homossexual...As coisas nunca são tão simples assim. Quando as reduzimos a categorias branco/preto ou macho/fêmea, é porque estamos realizando uma operação redutora-binarizante e para nos assegurarmos de um poder sobre elas. Não podemos qualificar um amor, por exemplo, de modo unívoco. O amor em Proust nunca é especificamente homossexual. Ele comporta sempre um componente esquizo, paranóico, um devir planta, um devir mulher, um devir música. Uma outra noção maciça cujos danos são incalculáveis, é a de orgasmo. A moral sexual dominante exige da mulher uma identificação quase histórica de seu gozo com o do homem, expressão de simetria, de uma submissão a seu poder fálico. A mulher deve seu orgasmo ao homem. Se ela o “recusa”, se torna culpada. Quantos dramas imbecis são alimentados em torno disso! E a atitude acusadora dos psicanalistas e dos sexólogos sobre esta questão não serve para resolver a situação. De resto, é comum que mulheres bloqueadas, com parceiros masculinos, cheguem ao orgasmo masturbandose ou fazendo amor com outra mulher. Mas aí o escândalo é muito maior se as coisas chegam a ser descobertas! Consideremos um último exemplo, o do movimento das prostitutas(5). No começo, quase todo mundo exclamou: “muito bem, as prostitutas têm razão em se revoltar. Mas, atenção, é preciso separar o joio do trigo. As prostitutas, tudo bem. Mas dos cafetões não queremos ouvir falar!” E todo mundo se pôs a explicar às prostitutas que elas deveriam se defender, que elas são exploradas, etc. Tudo isto é absurdo! Antes de explicar qualquer coisa, seria preciso primeiro procurar compreender o que se passa entre a prostituta e seu cafetão. Há o triângulo prostituta-cafetão-dinheiro. Mas há também toda uma micropolítica do desejo, extremamente complexa, que está em jogo entre cada pólo deste triângulo e diversos personagens tais como o cliente e o polícia. As prostitutas têm certamente coisas muito
interessantes a nos ensinar a respeito disso. E ao invés de persegui-las, tinha-se mais é que subvencioná-las, como se faz com os laboratórios de pesquisa! Quanto a mim, estou convencido de que é estudando toda essa micropolítica da prostituição que se poderia esclarecer, sob uma nova luz, pedaços inteiros da micropolítica conjugal e familiar - a relação de dinheiro entre o marido e a mulher, os pais e os filhos, e, mais além, o psicanalista e seu cliente. (Seria preciso também retomar o que os anarquistas da belle époque escreveram a este respeito.) NOTAS 1. N. do Trad.: René Nelli é autor de L’Erotique des Troubadors(10/18), onde faz uma análise do amor cortês. 2. N. do Trad.: Arcadie foi a primeira revista homossexual publicada na França, por volta de 1954. 3. N. do Trad.: Frente Homossexual de Ação Revolucionária, movimento dos homossexuais muito ativo na década de 70. 4. N. do Trad.: Allen Ginsberg, poeta da Beat Generation. 5. N. do Trad.: Em 1975, quando foi escrito este artigo, um grupo de prostitutas estava em pleno movimento de ocupação de igrejas, principalmente em Paris e Lyon, protestando contra aquilo que elas chamavam de “Estado-cafetão”. Estado que por um lado praticamente legaliza a prostituição - as prostitutas devem por exemplo submeter-se a exames médicos - e. por outro lado, as castiga constantemente com multas por prática ilegal de trottoir. Enfim, Estado que só as reconhece enquanto corpo a ser mantido em bom estado para que dele se possa extrair maisvalia. 43 Fonte: A Revolução Molecular, de Felix Guattari, pp. 34-37, Ed. Brasiliense, 1981. (Arquivo Rizoma)
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