10.06.2013 Views

Amigos Leitores - Intervenção urbana

Amigos Leitores - Intervenção urbana

Amigos Leitores - Intervenção urbana

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sexuais emancipatórias não deixam de ser devedoras da implantação<br />

perversa dos prazeres.<br />

Acontece que a sexualidade que pervade toda a identidade do indivíduo no<br />

discurso psico-bio-médico, - unidimensionalizando-o, para recorrer ao termo<br />

marcusiano - transforma-se em eixo dos projetos emancipatórios na época a<br />

que uns preferem chamar modernidade tardia e outros pós-modernidade. A<br />

identidade, que principia por ser sexual para se volver social, diluindo a<br />

fronteira entre o privado e o público, a identidade, que nasceu como efeito<br />

da reificação e da positivização psico-bio-médica e jurídica, passou a ser<br />

assumida pelos próprios indivíduos como projeto de construção biográfica e<br />

comunitária. A sexualidade politizou-se, criando um laço indissolúvel entre<br />

identidade sexual e política sexual e transformando-se num operador de<br />

criação e mudança de estilos de vida.<br />

Teríamos de remontar ao nome tutelar de Sade para encontrarmos o<br />

primeiro discurso secular, não teológico, político portanto, sobre o sexo.<br />

Nisso, Sade partilha com Maquiavel um comum, esplendoroso e terrível<br />

isolamento, sem epígonos ou seguidores imediatos. Na verdade, Sade está<br />

para o sexo como Maquiavel para a política. A exploração deste paralelo, a<br />

que não podemos dar seguimento aqui, decerto nos levaria a inusitadas<br />

descobertas. Por isso teremos de nos restringir a tempos mais recentes.<br />

Com efeito, a politização da sexualidade, tal como a entendemos hoje, não é<br />

anterior aos autores que, no virar do século XIX para o XX, se propuseram<br />

desenvolver uma ciência emancipatória da sexualidade, da sexologia de<br />

Magnus Hirschfeld à Sexpol de Wilhelm Reich. No entanto, essa politização<br />

se alimenta dos pressupostos e se faz com os elementos da discursificação<br />

da scientia sexualis, vindo a constituir tão só a sua face emancipatória,<br />

vulnerabilizando-se consideravelmente ante os seus detratores por isso<br />

mesmo. Na verdade, onde uma vertente pretendia regular o sexo,<br />

naturalizando a norma social – o sexo normal e conforme à natureza – a<br />

167<br />

outra visava, contrariamente, libertar o sexo, restituindo-o a uma<br />

naturalidade originária, anterior aos constrangimentos sociais que o teriam<br />

deformado e reprimido. Ora o que o atual movimento de repolitização da<br />

sexualidade se empenha em superar são precisamente as limitações da<br />

naturalização e da biologização do sexo, que binarizavam o sexo em gêneros<br />

(masculino/feminino), para depois o repartir em práticas<br />

(canônicas/desviantes) e orientações (heterossexual/homossexual),<br />

fundando-o numa natureza axiomatizada como natura normativa<br />

(natural=normal/anti-natural=anormal). Deste modo, a politização do sexo<br />

implicou, exigiu mesmo, a crítica do essencialismo, e são sobretudo as bases<br />

biológicas dele que são postas em causa, e a sua substituição pelo<br />

construtivismo psico-social que culmina com a teoria queer, embora não<br />

tenha que conduzir necessariamente a ela.<br />

Crise da norma e fim da natureza significam pois busca biográfica de<br />

possíveis, isto é, de estilos de vida, e pulverização da universalidade da<br />

norma em sexualidades múltiplas, com a correspondente recomposição das<br />

identidades sexuais e das categorias sexuais, que frequentemente se<br />

reelaboram como comunidades sexuais (e sociais e culturais, ou não fosse o<br />

sexo sempre muito mais que só “sexo”). Neste sentido, é ingêua e<br />

desprevenida a representação vulgar da “revolução sexual” contemporânea<br />

(pela qual há quem persista, um pouco por todo o leque político, em<br />

culpabilizar e ridicularizar as costas largas das décadas de sessenta e<br />

setenta), a qual, longe de alterar a relação entre o desejo e a lei, o sexo e o<br />

poder, elevou-as a um outro nível. O jogo da lei e do desejo prossegue,<br />

apenas mudaram, ou talvez seja preferível dizer que se lhe acrescentaram,<br />

novos agentes, meios e conteúdos.<br />

Há que se entender as transformações microfísicas no quadro de fundo de<br />

uma transformação geral dos modelos de organização do sexo. O modelo<br />

que emerge na modernidade é um modelo sádico, que vem substituir o

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!