Amigos Leitores - Intervenção urbana
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talvez os menos interessantes - exemplos de uma degeneração generalizada<br />
do sexo "natural". Assim como as hard e os wetwares desabam sobre os<br />
softwares, estranhas mutações arruinam o contexto sexual. A simulação<br />
sexual converge com a desordem de toda a economia sexual, a corrosão de<br />
suas ligações com a reprodução, e a decadência de sua especificidade: o<br />
sexo dissipa-se em drogas, transe e 'danças de acasalamento'; androginia,<br />
hermafroditismo e transsexualismo tornaram-se perceptíveis de modo<br />
crescente; parafilia, modelagem do corpo (body building), sexo exótico, e o<br />
que Foucault chama de "slow motion do prazer e da dor" do sadomasoquismo<br />
- "sexo de alta tecnologia" (Califia 1993a: 175) - proliferam. A<br />
cibernética revela um organismo cortado transversalmente por uma vida<br />
inorgânica - pela comunicação bacteriana, a infecção viral, e os estudos<br />
biológicos inteiros de formas replicadoras, que subvertem mesmo a mais<br />
perversa noção do que é "fazer sexo". A reprodução funde-se com<br />
replicação e perde o seu apoio na "síndrome do prazer". O clímax distribuise<br />
de forma plana, o auge da experiência fica num platô.<br />
O futuro do sexo não ocorre de uma vez por todas. Hoje em dia, há um<br />
retrocesso a um passado em que o sexo em si estava destinado à<br />
reprodução. As relações eram, então, circuitos dissimulados, a imersão<br />
sempre conduzia à reprodução. O sexo não era 'não-comercializado', e o<br />
prazer sempre foi apenas uma parte de uma equação com dor, que<br />
encontrava sua solução na intensidade.<br />
Isso tudo ocorria em um mundo cuja estabilidade dependia de sua<br />
habilidade de confinar a comunicação aos termos de uma transmissão patrilinear<br />
de organismos individualizados. As Leis e genes compartilhavam de<br />
uma via de mão-única, a unilateral ROM[A], pela qual as tradições judaico-<br />
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cristãs transmitiram-se através de gerações. Trata-se de família de um só pai<br />
do homem, para a qual mesmo a Mãe Natureza foi concebida por Deus<br />
como a supermodelo da alta costura, perfeitamente formada, sem a qual<br />
tudo seria desatinado. O Humanismo determinou a criação de um<br />
"espelhismo" (mirrorism), mas o espelho ainda reflete a imagem de Deus. O<br />
projeto: 'refletir e especular'; supervisionar e vigiar. Deus e homem<br />
convergem em um circuito fechado de inícios e fins, único e o mesmo,<br />
homem a homem. Criação e procriação. Surgiu o 'avançar' e o multiplicar,<br />
das quais a cultura patriarcal toma a sua inspiração.<br />
A concepção imaculada do mundo tem sido sempre sujeita às incertezas que<br />
formam as bases das reivindicações de paternidade. Mas é somente agora,<br />
que a inteligência material começa a ruptura suave da barreira formal dessa<br />
jornada, na qual a confiança do costume patriarcal já estava minada. Ele<br />
nunca irá saber se elas fingiam ou não, fosse a respeito de seus orgasmos,<br />
fosse sobre quem era o autor da paternidade. Contudo, o que é novo a<br />
respeito de sua insegurança é que agora ela começa a ser sentida. Como,<br />
Deus, saberá ele se é o pai? O problema que se coloca é outro: como os<br />
processos de auto-organização atacam desde o interior não está mais uma<br />
questão, tornaram-se um problema tático, uma questão tátil, um<br />
acontecimento material.<br />
A cibernética inicia o aparecimento de uma complexidade material que,<br />
finalmente, usurpa a linha procriativa do ser humano. Mesmo em sua versão<br />
mais moderna e autoritária, a cibernética derruba a distinção entre<br />
máquinas e organismos: os sistemas de Norbert Wiener funcionam<br />
indiferentemente se seus wares são hard, soft ou wet. As fusões de<br />
humanos e máquinas das pesquisas de Wiener nos tempos de guerra fazem