Amigos Leitores - Intervenção urbana
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homem cria o mundo humano carregam em si a marca dessa ruptura.<br />
9.<br />
A instituição da diferença dos órgãos reprodutores como móvel de<br />
identidade social e de domínio são uma instituição humana. Se na natureza<br />
há machos e fêmeas, só a espécie humana constitui gêneros. O gênero é<br />
uma invenção histórica da humanidade, um modo de identidade, de<br />
supressão da diferença que se origina numa dada diferença/identidade<br />
naturais, a amplifica e institui a partir dela todo um sistema hierárquico e<br />
classificatório. O gênero é um dos modos, modo primeiro, do ponto de vista<br />
histórico, do sistema e no sistema não há diferença. Não há, na natureza,<br />
homens e mulheres. Essa é uma construção social, uma construção humana.<br />
Que todo o arcabouço da nossa civilização se tenha constituído a partir<br />
dessa "diferença" de gêneros, parece reforçar a tese de uma naturalidade<br />
de tal classificação.Com efeito, se fêmea e macho são determinações<br />
biológicas presentes também em outras espécies parece legítimo supor que<br />
isso a que chamamos de natureza autorize essa classificação.<br />
O que as culturas - as que se impuseram ao longo da história da humanidade<br />
como vencedoras - inventaram, ao longo de suas trajetórias, foi a supressão<br />
das diferenças radicais entre os indivíduos a partir do gênero, da etnia, da<br />
classe. É, assim, a civilização que suprime a individualidade com a invenção<br />
dos sistemas classificatórios. Essa não é, senão, uma crença constituída<br />
historicamente. Um determinado modo de "classificar as individualidades" a<br />
partir de uma determinação natural. Nada impede, por exemplo, que<br />
fossem outras as determinações biológicas que tivessem dado origem a<br />
outros sistemas classificatórios possíveis. Se é verdade que a individualidade<br />
é diferença radical, os indivíduos temos, todos nós, uma série de<br />
características, naturais ou não, todos elas passíveis de encontrar<br />
"identidade" com outras individualidades sem, contudo, que tal<br />
199<br />
"identidade" (identificação, aliás, diz melhor o que aqui se pretende, pelo<br />
caráter provisório que implica) suprima a diferença originária. O gênero não<br />
é, pois, um dado natural, mas um modo historicamente determinado de<br />
classificar os indivíduos da espécie humana com base numa dada<br />
identidade/diferença biológicas, apenas uma entre tantas possíveis. Não se<br />
trata aqui, é evidente, de suprimir as identificações biológicas como<br />
realmente existentes mas, apenas, de sublinhar que tais identificações são<br />
dados imediatamente naturais, e que cada uma das identificações possíveis<br />
dadas na natureza é precisamente uma entre tantas. A individualidade que<br />
somos supõe, precisamente, uma multidão de identificações, todas elas<br />
igualmente possíveis, ou seja, o fato de sermos irredutível diferença implica<br />
que somos sempre essa combinação irredutível e única de identificações<br />
possíveis. O que caracteriza a invenção do sistema de gêneros não é,<br />
entretanto, o biológico propriamente dito, ao contrário, é justamente a<br />
criação das representações associadas às funções reprodutivas que<br />
transformam o macho e a fêmea biológicos no Homem e na Mulher.<br />
10.<br />
É, contudo, dominante, a apreensão dessa determinação de gênero como<br />
uma determinação "natural". Mas a natureza não é - já foi dito - um modelo<br />
para a compreensão daquele que se caracteriza por ser um inventor de<br />
novas naturezas a partir de si. O que é próprio do homem é exatamente a<br />
suspensão de todo dado natural pela invenção da cultura. Se a tradição , se<br />
a herança patriarcal é já um fundamento de tal naturalização do sistema de<br />
gêneros, a introdução das relações mercantis, mais que reforçar a<br />
naturalização, aprofunda, amplia e universaliza tal naturalização à medida<br />
em que submete a naturalidade do sistema de gêneros à naturalização das<br />
relações sociais em sua totalidade. A naturalização das relações de gênero é<br />
agora momento da naturalização do humano enquanto tal que se realiza<br />
sob a forma-mercadoria. Se as relações sociais aparecem naturalizadas sob