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Amigos Leitores - Intervenção urbana

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que não pode ser assimilada por uma sociedade fundada na síntese do<br />

trabalho e da repressão, dos interesses materiais e da moral; é mais<br />

provavelmente em relação ao "desenvolvimento possível das paixões" que<br />

se constitui um teto histórico, um limite. Mas não considerado como uma<br />

esfera suscetível de consumo, de reintegração ao universo da mercadoria,<br />

mas como energia libidinal criadora de um mundo real.<br />

A atualidade de Fourier se insere também no contexto das novas formas de<br />

contestação que, desde a Sexpol e os movimentos de reforma sexual dos<br />

anos vinte, surgiram deste setor não ligado diretamente à esfera da<br />

produção. Da crise da arte moderna até a crítica da vida cotidiana, são<br />

precisamente as zonas marginais, "supra-estruturais", da sociedade<br />

burguesa, as que têm posto em dúvida a integridade de seu sistema. A partir<br />

da ascensão do movimento de massas do fascismo, na Alemanha, os<br />

chamados fatores "ideológicos", ou seja, econômicos-libidinais, têm<br />

adquirido uma importância nuclear inclusive no interior mesmo da famosa<br />

"contradição fundamental" do sistema capitalista e, portanto, do<br />

movimento obreiro clássico. A este movimento, Fourier oferece uma<br />

alternativa não-política - no sentido da política especializada - cotidiana,<br />

"doméstica". Seu Aviso aos civilizados hoje se lê como um prognóstico de<br />

novas devastações e da afirmação de um universo que partem diretamente<br />

dessa riqueza passional que a civilização mercantil não é capaz de absorver.<br />

Um oceano de pulsões insatisfeitas transbordando as cadências da produção<br />

racionalizada e as formas de existência que ela impõe.<br />

Mas a crítica da civilização de Fourier sugere no entanto algo mais.<br />

Desde o "freudo-marxismo", ou desde que o funcionário Pieck formulou seu<br />

último raciocínio com a frase: "Nós os marxistas partimos da produção; você<br />

(Reich) parte do consumo e, portanto, não é marxista", se define uma<br />

estratégia de desejo nos mesmos termos em que se leva a cabo a política de<br />

25<br />

reivindicação sal. Traduz-se em termos de mais-valia a concepção<br />

psicanalítica da história como história do desejo ou de sua repressão;<br />

existiria uma quantidade de desejo reprimido, insatisfeito, da mesma forma<br />

que existe um trabalho não pago, alimentando o processo de acumulação. É<br />

o retrocesso de Reich, do Reich posterior a 1930, em que esboçou uma<br />

crítica econômico-libidinal das categorias da política marxista, ou pior ainda,<br />

um modelo social baseado na economia da libido, para o programa que<br />

Pieck e o marxismo da III Internacional encarnavam: restringir a economia<br />

libidinal à esfera do consumo, remeter o consumo à produção. E se, como<br />

corolário, se põe em julgamento a dimensão socialmente transgressora do<br />

desejo no marco da sociedade repressiva moderna (paradoxalmente<br />

qualificada de consumista), é por que ele só é concebido sob sua forma<br />

miserável de consumo, de destruição, de relação negativa com a natureza;<br />

daí que pareça assimilável ao sistema da economia mercantil. Com isso, não<br />

se faz senão neutralizar seu caráter radical realmente adquirido nos novos<br />

movimentos de massas, sufocar seu caráter subversivo como negação da<br />

economia política na ordem da economia libidinosa.<br />

Fourier se encontra no outro lado deste desejo como consumo passivo de<br />

um mundo externo que produz a economia política. Seu ponto de partida,<br />

pelo contrário, é o desejo como transformador do real.<br />

Nas séries apaixonadas, a combinação de paixões dissolve a ordem da<br />

racionalidade econômica, a produção de voluptuosidades liquida a<br />

hegemonia da produtividade mercantil. Com elas desaparece a relação<br />

indigente do sujeito com a natureza e a exterioridade do desejo em relação<br />

a seu objeto. Uma paixão, mesmo aquela que sob os imperativos da<br />

produção econômica adquire um caráter perverso, punível – as manias, na<br />

linguagem de Fourier -, constitui na sociedade da harmonia uma série, uma<br />

associação passional cujo traço comum é essa paixão; e nela se desenvolve

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