Amigos Leitores - Intervenção urbana
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como cumprimento e devir da razão. Em Fourier nos encontramos melhor<br />
com a irrupção da desrazão na história, a catexis libidinosa do mundo social<br />
e natural quebrando a continuidade das instituições morais e econômicas.<br />
"A desrazão do amor deve revelar a loucura do mundo razoável" (2). E é<br />
nesta ruptura libidinal do processo histórico e não no pretenso caráter<br />
"científico" ou "acientífico" de sua "utopia", onde deve se situar a oposição<br />
entre o materialismo histórico e a teoria do novo mundo amoroso de<br />
Fourier.<br />
Longe de ser "superado" pela teoria científica da história, Fourier adquire<br />
uma nova atualidade no marco de uma contestação que vai ao reencontro<br />
de uma dimensão perdida pelo materialismo histórico; a crítica da<br />
civilização.<br />
Déjacque, por exemplo, este combatente da revolução de 1848, mostra até<br />
que ponto a agitação social aparece indissoluvelmente ligada à crítica do<br />
trabalho, à abolição da família, à liberdade sexual, ao sonho ou à poesia. É<br />
uma nova ordem libidinosa o que nestas lutas faz romper a continuidade<br />
das instituições econômicas e sociais. Mas semelhante ruptura só pode se<br />
integrar muito precariamente a um pensamento que, na mesma época,<br />
louvava a acumulação do trabalho e de instrumentos técnicos como o ardil<br />
do cumprimento histórico de sociedade sem classes. E no alvorecer da<br />
sociedade industrial, a crítica do trabalho repugnante de Fourier pareceria<br />
uma genuína quimera a partir da perspectiva lançada pela análise do papel<br />
historicamente progressivo da burguesia, seu "grande projeto" de<br />
desenvolvimento das forças produtivas. Marx podia perfeitamente admitir o<br />
trabalho dos menores (3), ali onde Fourier estabelece a formação de hordas<br />
e bandos infantis baseados nos jogos anais, pois do que se tratava era<br />
precisamente de marchar no compasso do desenvolvimento da produção<br />
mercantil, de seguir ou inclusive impulsionar seu curso, até um suposto<br />
limite intrínseco ao modo de produção capitalista. Toda a política marxista<br />
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se construiu, até hoje, em função desta fronteira para o desenvolvimento<br />
imanente das forças econômicas da sociedade capitalista.<br />
Já se admite em todos os lugares a inoperância da rígida periodização do<br />
pensamento socialista numa etapa pré-científica e outra científica. As<br />
perspectivas de emancipação social abertas pelo socialismo da primeira<br />
metade do século XIX devem ser reconsideradas no contexto de uma nova<br />
formulação das alternativas históricas à sociedade capitalista avançada. Esta<br />
situação de abertura a uma conta pendente da história que se dava<br />
comumente por encerrada - uma abertura cujos primórdios, no pensamento<br />
marxista, deveriam se remeter a K. Korsch - caracteriza de maneira geral as<br />
posições da nova esquerda.<br />
Quando um especialista no tema qualificava Fourier como um "excêntrico<br />
simpático" cujas "fatais experiências mentais" explicariam suas "estranhas<br />
construções", não fazia mais que compilar toda uma tradição que o havia<br />
exilado na produção onírica. E é precisamente a reabilitação de semelhantes<br />
"sonhadores" ao que se alude com o programa do "fim da utopia". Não<br />
obstante, esta vigência do pensamento utópico, e em particular a atualidade<br />
de Fourier, não acatam, em primeiro lugar, que o presente desenvolvimento<br />
das forças produtivas permita objetivamente a satisfação generalizada dos<br />
desejos, do consumo, que as condições materiais engendradas pelo<br />
constante aumento de riquezas do capitalismo possibilite a realização do<br />
sonho mais fantástico de Fourier. Como se a estupidez que Fourier<br />
impugnava a dois mil e quinhentos anos de civilização tivesse que se<br />
prolongar por mais um século para "compreender" seu invento.<br />
Nem a ordem societária de Fourier se baseia em uma distribuição igual da<br />
riqueza no sentido do materialismo histórico, nem a exuberância cuja<br />
possibilidade sugeriu se deixa traduzir simplesmente numa abundância de<br />
coisas. A atualidade de Fourier reside bem mais em sua noção de riqueza e