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Reflexões: Descomplicando os impostos

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Política Fiscal<br />

vista a expiação do prevaricador,<br />

apazigando-se, dessa forma,<br />

a pretensa ira d<strong>os</strong> “deuses”.<br />

Num segundo momento, o modelo<br />

da “autorização” do subjugado<br />

– neste caso, todas as<br />

classes, exceto o Rei – mereceu<br />

vencimento. A regra “no taxation<br />

without representation” permitiu<br />

um alargamento do âmbito<br />

de incidência subjetiva, fazendo<br />

com que tod<strong>os</strong> f<strong>os</strong>sem incomodad<strong>os</strong><br />

pelas pretensões imp<strong>os</strong>itivas<br />

do Estado, com o limite<br />

d<strong>os</strong> term<strong>os</strong> da própria autorização.<br />

É o alvor da auto-tributação,<br />

do princípio da legalidade<br />

fiscal e do parlamentarismo<br />

fiscal. O âmbito material tornou-se<br />

mais complexo, atenta a<br />

necessidade de estabelecer um<br />

conjunto germinal de garantias<br />

do contribuinte.<br />

Na fase seguinte, a sofisticação<br />

das administrações tributárias<br />

permitiu que cada um f<strong>os</strong>se<br />

tributado de acordo com a sua<br />

capacidade contributiva. Quem<br />

tem mais contribui de forma<br />

mais intensa do que quem tem<br />

men<strong>os</strong>. Este conceito, assente no<br />

princípio do rendimento acréscimo,<br />

absorve uma forte legitimidade.<br />

A justiça é concretizada<br />

não só no momento da despesa,<br />

mas igualmente no momento da<br />

angariação da receita. A progressividade<br />

da tributação do rendimento<br />

constitui-se como regra,<br />

numa concretização material<br />

do princípio da igualdade. Este<br />

modelo tributário é um pilar na<br />

criação do Estado Social e de Estado<br />

Bem-Estar.<br />

Atualmente, a desmaterialização<br />

crescente conjugada com<br />

uma globalização musculada,<br />

estão a modificar substancialmente<br />

o status quo fiscal. A mobilidade<br />

d<strong>os</strong> fatores impede tributações<br />

agravadas de pessoas<br />

ou de empresas, atenta a sua<br />

potencial “fuga” e a comp<strong>os</strong>ição<br />

do modelo de criação de riqueza<br />

assenta cada vez mais na<br />

imaterialidade, fluida e móvel, o<br />

que dificulta qualquer exercício<br />

de cobrança de imp<strong>os</strong>to assente<br />

num indício ou facto material.<br />

Por essa razão, o sistema fiscal<br />

está, como no princípio, a focarse<br />

nas realidades com menor<br />

mobilidade, ou seja, <strong>os</strong> imóveis<br />

(por definição) e <strong>os</strong> “nov<strong>os</strong>-escrav<strong>os</strong><br />

fiscais”, <strong>os</strong> trabalhadores<br />

dependentes, que pelo<br />

seu vínculo, não conseguem<br />

desagrilhoar-se das suas entidades<br />

laborais que reportam à<br />

Administração Tributária toda<br />

a informação necessária para o<br />

exercício da função tributária.<br />

Por outro lado, o pecado também<br />

voltou a merecer uma nova<br />

atualidade, transbordando as<br />

suas vestes tradicionais: álcool,<br />

tabaco, agora também o açúcar<br />

e afins, para incidir também, em<br />

sujeit<strong>os</strong> ou empresas que, num<br />

discurso político populista, procedem<br />

a alegadas explorações<br />

socialmente abusivas (pretens<strong>os</strong><br />

lucr<strong>os</strong> exorbitantes): sector<br />

elétrico, farmacêutico, grande<br />

distribuição, etc. Esta tributação<br />

assimétrica abala as grandes<br />

conquistas anteriores. O<br />

princípio da legalidade, filho da<br />

segunda época, decai por via do<br />

modelo das normas de votação<br />

democrática que propicia uma<br />

“ditadura” da maioria sobre a<br />

minoria, sendo que <strong>os</strong> “outr<strong>os</strong>”<br />

(minorias de geometria variável)<br />

são sempre subjugad<strong>os</strong> pela<br />

decisão maioritária. Por sua<br />

vez, o princípio da igualdade,<br />

em ambas as vertentes (formal<br />

e material), claudica igualmente<br />

já que sectores “amaldiçoad<strong>os</strong>”<br />

ou realidades tributárias dificilmente<br />

mobilizáveis são inevitavelmente<br />

alvo de uma voracidade<br />

tributária desproporcionada,<br />

facto que é crescentemente potenciado<br />

pela er<strong>os</strong>ão da restante<br />

matéria coletável.<br />

Finalmente, as crescentes barreiras<br />

tarifárias ao comércio<br />

internacional recuperam as<br />

“portagens” ancestrais, através<br />

das quais <strong>os</strong> Estad<strong>os</strong> mais poder<strong>os</strong><strong>os</strong><br />

arrecadavam recurs<strong>os</strong> à<br />

conta d<strong>os</strong> restantes.<br />

Os risc<strong>os</strong> crescentes deste estado<br />

de coisas são evidentes. A<br />

política fiscal deve estar atenta<br />

às distorções que a nova tendência<br />

propicia, devendo estabelecer-se<br />

limites à tributação<br />

do imobiliário e d<strong>os</strong> trabalhadores<br />

dependentes. Por outro a<br />

“diabolização” de determinad<strong>os</strong><br />

consum<strong>os</strong> ou de setores económic<strong>os</strong><br />

deve ser reponderada,<br />

uma vez que a sua perenização<br />

irá inevitavelmente provocar<br />

perdas absolutas de bem-estar,<br />

destruindo a sua capacidade de<br />

criação de riqueza, e a consequente<br />

receita pública que daí<br />

adviria. Finalmente, o regresso<br />

da artilharia tarifária terá consequências<br />

extremamente grav<strong>os</strong>as<br />

no comércio internacional,<br />

com cust<strong>os</strong> acrescid<strong>os</strong> nas<br />

transações materiais, o que propiciará<br />

um maior fortalecimento<br />

das transações imateriais.<br />

Compete, portanto, a tod<strong>os</strong> que<br />

<strong>os</strong> imp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> 4.0 não se traduzam<br />

num regresso à época<br />

1.0. Model<strong>os</strong> como a economia<br />

comportamental ou o princípio<br />

da equivalência e do benefício,<br />

só para citar alguns exempl<strong>os</strong>,<br />

conjugad<strong>os</strong> com a sofisticação<br />

informática crescente das Administrações<br />

Tributárias e com <strong>os</strong><br />

nov<strong>os</strong> model<strong>os</strong> de contabilidade<br />

pública permitirão criar sistemas<br />

fiscais mais eficientes, just<strong>os</strong>, legítim<strong>os</strong><br />

e transparentes. Basta só<br />

que não se ceda à tendência populista<br />

de perseguição fiscal de<br />

fatores, pessoas ou setores.<br />

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