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Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador

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tipo de consideração (Anotação mental 2: "O capitalismo é, basicamente, um Teletubbie fazen<strong>do</strong><br />

sexo anal com Ronnie McDonald, os <strong>do</strong>is fuman<strong>do</strong> crack.") O sol parecia estar escorren<strong>do</strong> pelo<br />

céu em direção à linha <strong>do</strong> horizonte, então foi quan<strong>do</strong> finalmente me dei conta de que, EI!,<br />

aquela ceva tinha bati<strong>do</strong> de um jeito estranho.<br />

Comecei a divagar com Bigas a respeito de nada muito específico. Analisan<strong>do</strong> em retrocesso,<br />

vejo que estava falan<strong>do</strong> um pouco alto demais, tipo, quase berran<strong>do</strong>. Mas que diabos, essa<br />

franquia não é mais território neutro ou O QUÊ? CADÊ A FINESSE DESSES PUTOS? Fui ao<br />

banheiro, e me observei no espelho: aquela imagem não me passava a impressão de ser<br />

socialmente bem aceita, uma vez que meu cabelo no momento se assemelhava bastante a uma<br />

dessas bolas de pêlos que volta e meia os gatos vomitam. Voltei pra mesa, e, aos poucos, me<br />

concientizei de que não conseguia mais meter as batatas fritas com catchup na boca sem me<br />

lambuzar to<strong>do</strong>. Bigas persistia inaltera<strong>do</strong> -- a distinção de quem se criou nas quebradas. O<br />

relógio digital da João Correia acusava 17:53. Considerei a possibilidade de ir à missa, aderin<strong>do</strong><br />

ao hábito bizarro de Bigas de ter sua conduta social moldada por um sacer<strong>do</strong>te hipócrita que<br />

fatura a escriturária da paróquia. Descartei a hipótese sem nem ao menos pestanejar, porque,<br />

particularmente, preferiria ser devora<strong>do</strong> vivo por uma colônia de saúvas.<br />

Bigas se despediu solenemente, e cheguei à conclusão que o que os leopoldenses sentem em<br />

relação a Porto Alegre deve ser mais ou menos o que os escoceses sentem em relação à<br />

Inglaterra (Anotação Mental 3: Tatuar no braço "SCOTTISH MOTHERFUCKER HIGH ON DOPE").<br />

Senti falta da minha namorada - fui até a casa dela e desejei um bom dia de trabalho e disse<br />

mais uma vez que a amava, porque isso é importante e é real - de fato, quero que a ela meu<br />

amor pareça tão sutil quanto um piano despencan<strong>do</strong> calçada abaixo, quero que seja o suficiente<br />

para que ela sorria sem se preocupar -- e sei que às vezes minha conduta paranóide dá ampla<br />

margem a dúvidas.<br />

Aí passei na casa de um velho amigo coopta<strong>do</strong> pela namorada. Tinha esperanças de conseguir<br />

uma ponta de beck que fosse, para engordar um pouco essa pauta freak. Toquei a campainha e<br />

nada. Acontece que a porta da casa <strong>do</strong> cara fica perpetuamente destrancada, só com uma grade<br />

REALMENTE bem chaveada na frente, e dei um empurrãozinho e uma espiada. Penumbra. Só<br />

isso. Olhei aquilo, toda aquela escuridão e desolação <strong>do</strong>minical, e vi que aquilo tu<strong>do</strong> estava<br />

adquirin<strong>do</strong> um significa<strong>do</strong> metafórico DEMAIS, e concluí que precisava de um trago, o que me<br />

impeliu a voltar pra casa fazen<strong>do</strong> as curvas em duas rodas. Já em casa, me aprontei, ensaian<strong>do</strong><br />

um aceno distante para o meu cérebro. Abri a geladeira e havia ainda meia garrafa de vodca e<br />

meia garrafa de Coca. Rumo à ilha <strong>do</strong> Dr. Fidel. Era o momento de descer e metralhar as teclas.<br />

Minha gata siamesa parecia estar agin<strong>do</strong> de maneira deliberadamente irrascível comigo, e perdi<br />

as contas <strong>do</strong> número de vezes que me atacou enquanto digitava o começo desse texto, até que<br />

uma hora ela me arranhou o braço to<strong>do</strong> e finalmente atirei ela numa pilha de caixas vazias.<br />

Percebi que na verdade havia trazi<strong>do</strong> para casa resquícios <strong>do</strong>s eflúvios McEctoplasmáticos-<br />

Felizes. Magia urbana -- essas coisas de gibi. Comecei a misturar em proporções claramente<br />

equivocadas a Coca e a vodka. À medida que o texto ia surgin<strong>do</strong>, eu ia gostan<strong>do</strong> mais da coisa.<br />

Coloquei pra tocar um pouco de jazz e tentei me concentrar um pouco mais. As freqüências <strong>do</strong><br />

baixo de Charles Mingus foderam com a minha percepção por completo. Começou a se tornar<br />

virtualmente impossível digitar uma palavra que não contivesse ao menos <strong>do</strong>is erros estruturais<br />

graves. Minha cabeça oscilava sobre o tecla<strong>do</strong> como se eu estivesse tentan<strong>do</strong> marcar o ritmo<br />

sincopa<strong>do</strong> da música. O resulta<strong>do</strong> foi um bloco de texto ininteligível que parecia ter si<strong>do</strong> escrito<br />

por um débil mental chapa<strong>do</strong> de benzina e que removi desta matéria em consideração às<br />

pessoas de compleição frágil que possam vir a lê-la. Em algum ponto, me deitei no sofá e fiquei<br />

olhan<strong>do</strong> para o teto e decidi que, embora nunca fosse revelar isso em público (ops), iria votar<br />

naquele cara que não tem to<strong>do</strong>s os de<strong>do</strong>s.<br />

Aí ouvi uma algazarra incrível de sirenes e motores roncan<strong>do</strong> alto através de toda a avenida (No<br />

outro dia, o jornal entregou a mesma nota batida de sempre: "Empresário rendi<strong>do</strong> ao entrar em<br />

casa por homens arma<strong>do</strong>s ..."). Foi aí que eu saquei que tinha que ter alguma coisa<br />

acontecen<strong>do</strong>, ainda que de mo<strong>do</strong> subjacente, em São Leopol<strong>do</strong>. De mo<strong>do</strong> que meti a garrafa de<br />

vodka por baixo <strong>do</strong> casaco e saí pela porta da garagem em direção a nenhum lugar muito

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