Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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um processo intersubjectivo para se produzir, exige a presença <strong>do</strong> outro, a sua aceitação das<br />
regras <strong>do</strong> jogo, e nisso se distancia <strong>do</strong> puro fantasma individual que assola o sujeito nos<br />
processos patológicos” (BABO, 1996).<br />
Na matéria Nem John Wayne matou tanto índio na Cidade Baixa, de André<br />
“Car<strong>do</strong>so” Czarnobai, mais um exemplo de ficcionalização, que desta vez é feita a partir da<br />
inserção da figura <strong>do</strong> repórter como protagonista da reportagem, manipulan<strong>do</strong> os fatos e<br />
determinan<strong>do</strong> o curso da história, não com palavras, mas com atos. “O próprio narra<strong>do</strong>r,<br />
presente na história; ele se constrói <strong>do</strong> fato e da ficção” (RESENDE, 2002: 92). Apesar (ou<br />
por causa) de soar eminentemente ficcional, de certa forma, o relato – valen<strong>do</strong>-se da<br />
condensação de percepções (ou da imaginação) <strong>do</strong> repórter-narra<strong>do</strong>r-personagem –<br />
constitui-se numa estrutura narrativa que tira da (existência ou não de) veracidade o seu<br />
atributo principal. A “verdade” desta cena designa “qualquer coisa como a genuinidade,<br />
sinceridade ou autenticidade; ou a verossimilhança, isto é, não adequação àquilo que<br />
aconteceu, mas aquilo que poderia ter aconteci<strong>do</strong>” (VILAS BOAS, 1996: 63):<br />
Um sujeito desprezível ia nesse Palio. Rádio a to<strong>do</strong> volume num desses funks, camisa, vidro<br />
fumê, mascan<strong>do</strong> chiclé de boca aberta. Virou a cabeça pro la<strong>do</strong> e viu que eu o estava<br />
olhan<strong>do</strong> fixamente. Um pouco surpreso começou a acelerar e me encarar. Eu não mexi o<br />
pescoço. Permaneci olhan<strong>do</strong> fixo pro motorista <strong>do</strong> Palio, que a essa altura começava a ficar<br />
nervoso, e olhava compulsivamente para os la<strong>do</strong>s. Abri o vidro e coloquei o corpo pra fora.<br />
Seus olhos arregalaram, ele congelou. Eu disse "Ô", ele olhou pro sinal de novo "eu vou te<br />
pegar", e voltei pra dentro <strong>do</strong> carro, rin<strong>do</strong>. Ele acelerou, sem esperar o sinal. Deixei ele<br />
correr. Quan<strong>do</strong> o sinal abriu, saí em disparada atrás <strong>do</strong> Palio. Gato e rato, um jogo clássico.<br />
Não tirei os olhos <strong>do</strong> seu retrovisor, onde só via o reflexo <strong>do</strong>s seus olhos apavora<strong>do</strong>s. Fiquei<br />
dan<strong>do</strong> sinais de luz a cada cinco ou dez segun<strong>do</strong>s. Ele tentou de todas as formas me<br />
despistar: dava sinal prum la<strong>do</strong> e entrava pro outro, desligava os faróis pra sumir nas ruas<br />
escuras, ficava ansioso quan<strong>do</strong> eu parava atrás dele nas sinaleiras. Isso foi até o último sinal<br />
antes da minha rua, quan<strong>do</strong> consegui parar ao la<strong>do</strong> dele, e um caminhão impediu que ele<br />
desrespeitasse o sinal. De novo me coloquei pra fora <strong>do</strong> carro e gritei: "Ô, amigo" Ele nem<br />
me olhou "o sinal vermelho é pra PARAR" Ainda tive tempo de vê-lo me fulminan<strong>do</strong> com<br />
um olhar um furioso, enquanto o sinal abria e eu subia as ladeiras da Medianeira.<br />
Talvez o mais emblemático exemplo publica<strong>do</strong> na IRD sobre a relação entre<br />
ficção e verdade seja a Entrevista com a Verdade, de autoria de Eduar<strong>do</strong> Fernandes,<br />
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