Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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escolhemos o veículo Folha de S. Paulo, que, ao longo <strong>do</strong>s anos, tem tenta<strong>do</strong> deixar clara a<br />
sua “opinião” sobre a atividade jornalística ideal, mesmo que essa opinião mude. Nos anos<br />
80, uma famosa peça publicitária da Folha ganhou prêmio internacional ao enfatizar a<br />
importância da correta interpretação <strong>do</strong>s fatos:<br />
Locutor (com uma voz grave em off, sobre a imagem de retículas ampliadas das quais não<br />
se distingue nada além de círculos pretos sobre fun<strong>do</strong> branco):<br />
Este homem pegou uma nação destruída. Recuperou sua economia e devolveu o orgulho ao<br />
seu povo. Em seus quatro primeiros anos de governo, o número de desemprega<strong>do</strong>s caiu de 6<br />
milhões para 900 mil pessoas. Este homem fez o Produto Interno Bruto crescer 102% e a<br />
renda per capita <strong>do</strong>brar. Aumentou os lucros das empresas de 175 milhões para 5 bilhões de<br />
marcos e reduziu a hiperinflação a no máximo 25% ao ano. Este homem a<strong>do</strong>rava música e<br />
pintura e quan<strong>do</strong> jovem imaginava seguir a carreira artística.<br />
Zoom fechan<strong>do</strong> close na imagem composta, relevan<strong>do</strong> o rosto de Hitler.<br />
Locutor (em off):<br />
É possível contar um monte de mentiras dizen<strong>do</strong> só a verdade.<br />
Por isso, é preciso tomar muito cuida<strong>do</strong> com a informação e o jornal que você recebe.<br />
Folha de São Paulo. O jornal que mais se compra. E que nunca se vende.<br />
O anúncio deixa transparecer a preocupação no tratamento da notícia, a<br />
possibilidade de veicular uma informação tendenciosa utilizan<strong>do</strong> um texto aparentemente<br />
objetivo, além de ressaltar a independência da instituição jornalística Folha de S. Paulo, o<br />
jornal que “nunca se vende”. No entanto, basta avançar um pouco mais de um decênio e<br />
chegar ao Projeto Editorial 97, publica<strong>do</strong> em duas páginas no caderno principal de 17 de<br />
agosto de 1997, no qual a Folha diz-se uma empresa praticante de um jornalismo<br />
“independente, submeti<strong>do</strong> apenas às forças de merca<strong>do</strong>” (apud MORETZSOHN, 2002:<br />
112-113 – grifo meu). Pôde-se notar uma considerável mudança de postura, a qual não<br />
iremos julgar, mas sim tentar entender. O que mu<strong>do</strong>u? A notícia, como principal produto<br />
jornalístico, modificou seu caráter de relato simplesmente e transformou-se em merca<strong>do</strong>ria,<br />
assim como atesta Jürgen Habermas, no artigo Do jornalismo literário aos meios de<br />
comunicação de massa, “a circulação de notícias desenvolve-se não somente em conexão<br />
com as necessidades da circulação de merca<strong>do</strong>rias, as próprias notícias tornam-se<br />
merca<strong>do</strong>rias” (apud idem: 41). Já no título <strong>do</strong> livro de Cremilda Medina, Notícia, um<br />
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