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Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador

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Se o simples fato de utilizar a linguagem como media<strong>do</strong>ra já incapacita um relato<br />

de apreender a <strong>realidade</strong> em plenitude, to<strong>do</strong>s os escritos estão fada<strong>do</strong>s, portanto, a residir na<br />

esfera <strong>do</strong> não-real. A questão é que no jornalismo dito tradicional essa incapacidade é<br />

ocultada, enquanto que no gonzo-jornalismo ela é desvelada. Apesar de, no artigo Close Up<br />

Planet: Inferno total drugs kickin´in, Magistra<strong>do</strong>s e outras cacetadas, André “Car<strong>do</strong>so”<br />

utilizar-se da referencialidade para descrever o ambiente onde a cena de sua matéria<br />

desenrola-se, ele faz uso <strong>do</strong>s adjetivos, advérbios e substantivos adjetiva<strong>do</strong>s para explicitar<br />

o fato de que a descrição <strong>do</strong> cenário está sen<strong>do</strong> feita não “tal como ele é”, mas como um<br />

universo media<strong>do</strong>, que passa por idiossincrasias, edições mentais e textuais, e uma análise<br />

baseada nos senti<strong>do</strong>s:<br />

Em algumas horas estaremos em Registro para almoçar num mega-mini-mall-aberração no<br />

meio <strong>do</strong> nada, onde simplesmente TODAS as excursões de clubbers <strong>do</strong> sul <strong>do</strong> país parariam<br />

ao mesmo tempo. Era mesmo uma visão muito impressionante naquela manhã de sába<strong>do</strong>:<br />

bichonas esquálidas e suas cigarretes de brim com a barra <strong>do</strong>brada pra fora, correntes,<br />

coturnos e union jacks rasgadas no peito, biscas multi-coloridas decoradas de vinil, colares,<br />

pulseiras e prende<strong>do</strong>res de cabelo infantis. Muitos entravam nos banheiros em seus trajes<br />

civis e saíam monta<strong>do</strong>s de parafernálias mil. Piercings em lugares estranhíssimos,<br />

aplicações pouco orto<strong>do</strong>xas da pelúcia, perfumes de bebê, pirulitos e outros bichos. [...]<br />

Para os habitantes de Registro, era como se o circo tivesse chega<strong>do</strong>. Agricultores de boné e<br />

mulheres em vesti<strong>do</strong>s-cortina com temas florais nos olhavam com me<strong>do</strong> e curiosidade.<br />

Nota-se também que a composição <strong>do</strong> texto e a mistura de tempos verbais dão a<br />

idéia de que ele vai sen<strong>do</strong> escrito à medida que os fatos vão ocorren<strong>do</strong>. Mesclan<strong>do</strong> futuro e<br />

passa<strong>do</strong> – “em algumas horas estaremos” e “era mesmo uma visão” – o texto caminha pela<br />

sua linha <strong>do</strong> tempo, tiran<strong>do</strong> a importância da veracidade <strong>do</strong>s fatos e transferin<strong>do</strong>-a para o<br />

fluxo <strong>do</strong>s acontecimentos. No entanto, tal recurso consiste apenas em uma estratégia<br />

narrativa pois, já no primeiro parágrafo da matéria, o autor revela que o fato havia ocorri<strong>do</strong><br />

alguns anos antes da referida redação. Fator este que desvela que o quesito atualidade, um<br />

<strong>do</strong>s fundamentos <strong>do</strong> jornalismo tradicional, perde importância no gonzo-jornalismo:<br />

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