Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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jornalístico procura imitar a <strong>realidade</strong> e assim confundir o real com a simulação e o<br />
simulacro” (SILVA, 1997: 151). No caso <strong>do</strong> jornalismo, esse testemunho <strong>do</strong> testemunho,<br />
assim como em to<strong>do</strong> discurso realista, recorre àquilo que mais promove o efeito de<br />
<strong>realidade</strong>: a estratégia da referencialidade. Para Ciro Marcondes Filho, a práxis jornalística<br />
é efetuada de mo<strong>do</strong> a perseguir esse ideal de retratar a <strong>realidade</strong> de maneira fidedigna.<br />
Alimentava-se uma ficção de que a imprensa seria o retrato condensa<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em<br />
páginas de jornal e que se realizava uma certa produção reflexiva, no senti<strong>do</strong> de o jornal<br />
espelhar de forma miniaturizada as coisas que se passavam na sociedade. [...] <strong>Jornalismo</strong> é,<br />
ao contrário, essencialmente seleção, ordenação, atribuição ou negação de importância de<br />
acontecimentos <strong>do</strong>s mais diversos, que passam a funcionar como se fossem um espelho <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> (MARCONDES FILHO, 1993: 126-127).<br />
Para ocultar esse “testemunho <strong>do</strong> testemunho”, uma das estratégias recorrentes no<br />
jornalismo, assim como em to<strong>do</strong> discurso realista, é o uso da referencialidade como<br />
instrumento de retórica implícita, o que termina por promover o “efeito de real”, termo<br />
emprega<strong>do</strong> por Barthes para designar o resulta<strong>do</strong> das estratégias <strong>do</strong>s discursos realistas,<br />
aqueles que, na busca de testemunho para o seu testemunho, recorrem a uma <strong>realidade</strong> em<br />
cuja construção colaboram. É por esse motivo “que todas as matérias jornalísticas estarão<br />
sempre calcadas ora em citações, ora em entrevistas; sempre salpicadas ora pela fotografia,<br />
ora pelas tabelas de porcentagem. Trata-se <strong>do</strong> recurso aos sinais de marcação da remetência<br />
ao real” (GOMES, 2000: 24). Há uma “generalizada conspiração”: o aperfeiçoamento e<br />
elaboração de técnicas, obras e instituições com o intuito de satisfazer a eterna necessidade<br />
jornalística de autenticar o real. Tu<strong>do</strong> contribuin<strong>do</strong> para o exercício da referencialidade,<br />
remetência a uma <strong>realidade</strong> de suposta plenitude. Por outro la<strong>do</strong>, sabe-se que tanto a<br />
fotografia quanto a entrevista, a citação, os gráficos, as tabelas, as dramatizações e<br />
reconstituições, são recortes, submeti<strong>do</strong>s a escolhas. A principal contradição <strong>do</strong> uso desses<br />
artifícios é a pretensa metonímia empreendida pelo jornalismo:<br />
No fundamento <strong>do</strong> recorte há uma estrutura lacunar: algo está de fora, algo foi excluí<strong>do</strong>,<br />
pois trata-se de um viés e sempre de uma descontextualização”. Trata-se aqui <strong>do</strong> fragmento<br />
valen<strong>do</strong> por, sempre outra coisa que o referencia<strong>do</strong>. Impossível sustentar a tese de<br />
apresentação de um real tal qual nessas condições (idem: 30).<br />
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