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Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador

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estética psicodélica toda. Segue-se o seguinte diálogo:<br />

EU: Quan<strong>do</strong> tomei áci<strong>do</strong>, olhei para uma concha e compreendi como funcionava a acústica dela,<br />

porque fazia aquele barulho.<br />

ELA: E como funciona? Lembrou agora, com os cogumelos?<br />

EU: Não. Eu teria de olhar para a concha, para compreendê-la. (Pego a garrafa na mão) No<br />

máximo, posso compreender o princípio da acústica das garrafas, porque tenho esta garrafa<br />

aqui.<br />

Escrevo isto num caderninho da guria. A letra é uma mistura da minha letra atual com letras<br />

emendadas <strong>do</strong>s meus tempos de alfabetização no colégio. Um <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> cogumelo é a<br />

impossibilidade de entender letras e símbolos gráficos. Talvez seja conseqüência das alterações<br />

visuais. Cuida<strong>do</strong> com seu dinheiro.<br />

A euforia torna difícil ficar para<strong>do</strong>. Tenho vontade de ir à praia. Uma das meninas - a que diz<br />

não sentir nada de mais - sai para ir ao banheiro. Não volta mais. Convi<strong>do</strong> a outra para ir à<br />

praia, mas ela não quer. Sinto a mente cada vez mais descolada <strong>do</strong> corpo, e lembro de pensar<br />

algo como "estou me tornan<strong>do</strong> totalmente simbólico". Talvez por ter li<strong>do</strong> recentemente "A<br />

Negação da Morte", em que Ernest Becker divide o ser humano em animal e simbólico. Enfim,<br />

quan<strong>do</strong> respiro fun<strong>do</strong>, consigo "descer" para o corpo e manter um pouco a linha. Estou<br />

realmente preocupa<strong>do</strong> com o que os outros estão pensan<strong>do</strong> a meu respeito, porque tenho a<br />

impressão de estar falan<strong>do</strong> muito alto e agin<strong>do</strong> de forma muito teatral. Minha amiga concorda.<br />

Um sujeito, que veio de carona na mesma caminhonete e sentou na mesa conosco, diz que<br />

parecemos alegres, mas normais.<br />

Começa a chover. Forte. To<strong>do</strong>s se levantam, somos os únicos <strong>do</strong>is senta<strong>do</strong>s em uma mesa na<br />

rua. Não sinto a chuva, mas começo a me sentir ridículo e comento que "somos aqueles caras<br />

no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> bar, podres de bêba<strong>do</strong>s, que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fica critican<strong>do</strong> e desprezan<strong>do</strong>". Estou,<br />

evidentemente, fican<strong>do</strong> paranóico. Decidimos caminhar, porque não conseguimos mais ficar<br />

senta<strong>do</strong>s. Na primeira esquina, deci<strong>do</strong> que PRECISO ir à praia, ver o mar, porque ele tem algo a<br />

me dizer. Minha amiga vai para outro la<strong>do</strong>.<br />

A chuva engrossa, mas não me importo. Sinto-me orgulhoso de não ter me<strong>do</strong> da natureza, de<br />

andar em comunhão com ela. Ao chegar na trilha que dá na praia, o caminho muda<br />

constantemente. Parece muito mais longo. Receio me perder. Ao chegar na areia, os morros<br />

parecem enormes, bem mais altos <strong>do</strong> que são na <strong>realidade</strong>. O mar nasce das brumas escuras no<br />

horizonte. Há luzes em alguns locais sem casas. A água não avança para a areia, faz o<br />

movimento contrário e parece se des<strong>do</strong>brar sobre si mesma. Estou realmente abisma<strong>do</strong>. O<br />

mun<strong>do</strong> é imenso, infinito. Não há nada nem ninguém por perto. As pessoas <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>, na rua, não existem. A praia é um mun<strong>do</strong> separa<strong>do</strong>, é algo além, a fonte de toda<br />

criação. Aquela praia. Resolvo caminha um pouco, e quan<strong>do</strong> me viro, posso vislumbrar o mar<br />

baten<strong>do</strong> na areia, um morro atrás, uma floresta escura e então a rua, iluminada como uma<br />

disneylândia. Parece um cenário <strong>do</strong> jogo The Secret of the Monkey Island nas cores e formas das<br />

casas e paisagem. Ao longe, um dinossauro forma-se das brumas. Então, compreen<strong>do</strong> TUDO.<br />

Sim, agora eu sei porque estou aqui. O mar está me dizen<strong>do</strong> que sim, a vida tem um senti<strong>do</strong>, a<br />

seqüência mar, areia, floresta e cidade é um resumo da evolução. E eu estou pairan<strong>do</strong> sobre ela.<br />

Eu sou deus.<br />

Não, eu não sou deus. Sou parte dele e ele é parte de mim. Sou o mar, o vento, as montanhas,<br />

a floresta e a cidade. Tu<strong>do</strong> está em seu lugar, tu<strong>do</strong> tem um porquê, tu<strong>do</strong> é adequa<strong>do</strong> e<br />

necessário. Amo tu<strong>do</strong>. Não sei o que fazer com tanta alegria. Quase choro. Minha vida está<br />

justificada, não há mais lugar para angústias existenciais.<br />

Neste momento, lembro que estou NO MEIO DA PRAIA, DURANTE UMA CHUVARADA. A<br />

existência pode me amar, mas também pode mandar um raio na minha cabeça. Corro. Quan<strong>do</strong><br />

estou sain<strong>do</strong> da praia, caio na trilha para um bar onde tomei meu primeiro áci<strong>do</strong>. É de uns<br />

uruguaios, é meio hippie, tem redes e sofás. Resolvo ir pra lá. Fica dentro da floresta escura,

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