Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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vem embala<strong>do</strong> numa porção tão ínfima que é considera<strong>do</strong> produto de degustação. O mesmo<br />
acontece com a camisinha, ela é efêmera, descartável, serve para uma transa só - e quem se<br />
satisfaz com uma foda só? - Por outro la<strong>do</strong>, uma transa apenas também não implica<br />
compromisso, assim como a amostra <strong>do</strong> <strong>do</strong>ce não implica na chocolatria.<br />
Na ausência de drogas mais fortes, os gonzo-jornalistas fazem das iguarias<br />
gastronômicas sua fonte de alucinação. Nesse caso, o narcômano repórter embrenha-se no<br />
oleoso conteú<strong>do</strong> de um sanduíche para receber uma alta <strong>do</strong>se de estimulação sensorial,<br />
pois, no gonzo-jornalismo, o esta<strong>do</strong> hígi<strong>do</strong> de consciência é, a priori, considera<strong>do</strong> negativo.<br />
A tônica nas matérias gonzo é, portanto, mergulhar o mais fun<strong>do</strong> possível em qualquer tipo<br />
de experimentação sensitiva:<br />
Depois de uma longa espera, eis que chega o espera<strong>do</strong> xis-coração. Quan<strong>do</strong> o magricelo<br />
olhou pra mim lá da cantina e começou a caminhar na minha direção eu não consegui<br />
identificar a extravagante massa escura como sen<strong>do</strong> um xis-coração. Pensei que - sei lá - era<br />
uma torta pra alguma outra mesa. Um empadão. Eu não sabia na hora, mas estava prestes a<br />
vivenciar a experiência gastronômica mais intensa de toda minha vida. Muito a contra-gosto<br />
quebrei a casca de pão torra<strong>do</strong> com o garfo, cortei um pedaço daquela monstruosidade e<br />
experimentei. Putz, e não é que é bom o negócio? Meu procura<strong>do</strong>r me olhava com uma certa<br />
temeridade, acompanhan<strong>do</strong> cada nova garfada com me<strong>do</strong> nos olhos, o que tornou a<br />
experiência ainda mais desconfortável. Certamente ele não acreditava que eu seria capaz de<br />
ir até o fim com aquele monumento à azia. Não tenho certeza, mas acredito que a iguaria<br />
vinha com nada menos que DOIS ovos e pelo menos umas cinqüenta gramas de coração e<br />
miú<strong>do</strong>s. O resto <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> que boiava em uma grossa camada de maionese ficou<br />
totalmente na subjetividade. Na verdade, foi melhor assim.<br />
Theo<strong>do</strong>re Roszak considera a experiência psicodélica como uma forma de “acesso<br />
controla<strong>do</strong> a formas transnormais de consciência” (ROSZAK, 1972: 164). No jornalismo<br />
gonzo, essa forma de consciência visa alertar de mo<strong>do</strong> brusco ao leitor que toda forma de<br />
percepção da <strong>realidade</strong> é alienada e que a droga apenas amplifica essa percepção. As drogas<br />
alucinógenas consistiriam numa “bomba psíquica de profundidade para abrir caminhos de<br />
percepção enormemente congestiona<strong>do</strong>s pelos arraiga<strong>do</strong>s hábitos cerebrais da ciência<br />
ocidental” (idem: ibid). O jornalismo alucina<strong>do</strong> da Irmandade Raoul Duke faz refletir<br />
acerca da fraqueza de nossos senti<strong>do</strong>s, que podem ser manipula<strong>do</strong>s sob o efeito de uma<br />
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