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Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador

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junto com duas amigas que também haviam comi<strong>do</strong> os <strong>do</strong>cinhos. Íamos até a praça central de<br />

Garopaba/SC, pegar um ônibus para a ferrugem, um tipo de shopping etílico a céu aberto,<br />

freqüenta<strong>do</strong> por mauricinhos e surfistas a<strong>do</strong>lescentes da pior espécie. Má escolha, como<br />

verificaríamos mais tarde.<br />

23:30 - Ao contrário de minhas expectativas, a onda chegou em apenas meia hora. Começou<br />

com uma sensação de anestesia pelo corpo, em especial nas pernas. A pessoa sente-se<br />

flutuan<strong>do</strong>. Não sente cansaço, por mais que caminhe, corra ou pule - o que não siginifica que<br />

não vai sentir <strong>do</strong>res musculares no dia seguinte. Penso que esta característica da psilocibina era<br />

responsável pelos aparentes superpoderes <strong>do</strong> xamã. Ele poderia dançar a noite inteira, sem<br />

cansar. Correr, levar porrada. Segue-se à anestesia uma sensação de euforia. Rimos por nada.<br />

24:00 - Esperan<strong>do</strong> pelo ônibus, sinto os primeiros efeitos visuais. As sombras de algumas<br />

árvores se movem pela grama, e uma das casuarinas parece-se demais com uma lula gigante.<br />

Algum desconforto no estômago. Minhas amigas não param de fazer piadas, estou muito<br />

ocupa<strong>do</strong> com os efeitos visuais, mas não consigo conter um sorriso permanente. Nas pernas,<br />

sinto como se mosquitos estivessem me pican<strong>do</strong>, ou formigas caminhan<strong>do</strong> por elas. Não estão.<br />

24:30 - É difícil descobrir quanto custa o ônibus e também contar o dinheiro. As moedas todas<br />

se parecem. Não reconheço mais a estrada. Quan<strong>do</strong> estou 100m adiante, vejo à minha frente os<br />

100m anteriores da estrada. Difícil descobrir onde estou. A luz de um carro bate no pára-brisa,<br />

explode e meu campo de visão fica cheio de pedrinhas de luz. Desço <strong>do</strong> ônibus com certa<br />

dificuldade.<br />

Tenho me<strong>do</strong> de atravessar a estrada, porque estou ten<strong>do</strong> alucinações e posso não ver um carro.<br />

Atravesso. Olhan<strong>do</strong> para o céu, fico surpreso com o tamanho dele. As estrelas ficam mais<br />

brilhantes, e a cor é esquisita. Ao caminhar, sinto como se estivesse chapinhan<strong>do</strong> num charco.<br />

Um sujeito nos manda subir na caçamba de sua caminhonete, ganhamos uma carona. No<br />

caminho, muita poeira. Fico em dúvida se estou alucinan<strong>do</strong> algumas nuvens de poeira, se estou<br />

mesmo coberto de areia. É cada vez mais complica<strong>do</strong> dialogar.<br />

1:00 - Chegamos ao lugar. Meu corpo parece mais alto e magro enquanto caminho. Alguém fala<br />

sobre uma rave, bem no momento em que passamos por um estacionamento. Abisma<strong>do</strong> com a<br />

qualidade da luz e <strong>do</strong> espaço, digo que a rave deveria ser ali. Parece muito apropria<strong>do</strong>. A<br />

sensação de anestesia agora dá lugar ao que poderia-se definir como separação <strong>do</strong> corpo. Os<br />

senti<strong>do</strong>s não necessariamente comunicam mais o que está se passan<strong>do</strong>, ou fazem isto de forma<br />

confusa. Por causa disso mesmo, os movimentos exigem cada vez maior concentração.<br />

A luminosidade e as cores da avenida de terra cercada por bares é interessante. Pareço estar<br />

dentro <strong>do</strong> filme Delicatessen. Jeunet é, com certeza, o diretor de arte das viagens de cogumelo.<br />

Um guindaste de bungee-jump chama minha atenção. Tu<strong>do</strong> é novo, imenso. E tu<strong>do</strong> parece se<br />

encaixar no seu exato lugar, tu<strong>do</strong> parece apropria<strong>do</strong> e conveniente. Sentamos em um bar, mesa<br />

da rua. Não calamos a boca. Rimos. Enrolamos a língua. Toca um axé. Procuro um banheiro, e<br />

ao fazer isso, cruzo por caixas de som tocan<strong>do</strong> Metallica. A trilha sonora parece muito adequada<br />

ao local em volta, escuro. Está fecha<strong>do</strong>, então volto para a mesa e digo, rin<strong>do</strong>, que não consegui<br />

mijar. Indicam um banheiro e vou até ele, no setor em que toca Enter Sandman. O banheiro é<br />

infecto, mas acho ele bastante bonito, as cores da merda e <strong>do</strong> barro e as paredes sujas. A<br />

adequação da música ao local me deixa alegre, sinto-me seguro no universo.<br />

Saio dali e compro uma cerveja. Kaiser Summer. No momento em que retiro o dinheiro <strong>do</strong> bolso<br />

para pagar, desço à terra e tomo consciência de como estão meus movimentos. Tiro o dinheiro<br />

<strong>do</strong> bolso como um mendigo o faria. Devagar, levantan<strong>do</strong> a camiseta para expor o bolso - e a<br />

barriga por tabela. Fico preocupa<strong>do</strong>, pensan<strong>do</strong> que as pessoas devem estranhar isso. Volto para<br />

a mesa e converso com as meninas. Não é preciso terminar as frases para entendê-las. A<br />

cerveja brilha amarela, radioativa. Estou muito, muito feliz. Nunca estive tão feliz. Qualquer<br />

movimento dá prazer, por isso passo a língua pelos lábios e mexo os de<strong>do</strong>s. Penso em tomar<br />

cogumelos to<strong>do</strong>s os dias da minha vida. Minhas amigas concordam. Uma delas jura não estar<br />

sentin<strong>do</strong> nada, mas nota-se a euforia dela. A outra me acompanha em uma discussão sobre os<br />

efeitos intelectuais <strong>do</strong> cogumelo. Digo que agora enten<strong>do</strong> <strong>do</strong> que as letras <strong>do</strong>s Doors falavam, a

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