Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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onde eu posso ir. Tirar a roupa aqui é um passo enorme para mim”, disse uma senhora de 60<br />
anos.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, à medida que o relato desenrola-se, o repórter passa a deslocar o<br />
foco da reportagem para si mesmo, deixan<strong>do</strong> a diegese permear-se cada vez mais por<br />
elementos idiossincráticos, limitan<strong>do</strong> o universo aborda<strong>do</strong> na matéria, e passa a narrar a<br />
situação a partir de sua perspectiva:<br />
Ninguém ali estava preocupa<strong>do</strong> em expressar o desespero ou a depressão da vida<br />
contemporânea. Nossas genitálias eram de uma felicidade jamais vista. Em liberdade, fariam<br />
piruetas e acrobacias, como micos amestra<strong>do</strong>s. Finalmente, a catarse: Tunico pegou o<br />
megafone e man<strong>do</strong>u to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> tirar a roupa. Gritos de aprovação. Camisetas e cuecas<br />
voaram e, pouco depois, ficamos completamente pela<strong>do</strong>s. Milhares de flashs explodiram nas<br />
nossas caras. Era a imprensa, num momento J. R. Duran. Em segun<strong>do</strong>s, descobri toda a<br />
verdade: ficar nu em público é a coisa mais cheia de pu<strong>do</strong>r que existe. Recomen<strong>do</strong> aos<br />
padres e às igrejas. Não houve olhares constrange<strong>do</strong>res, ninguém sequer se encostou em<br />
mim. Há menos respeito até no metrô. [...] Nossas peronites e espinhas na bunda se<br />
tornaram insuportavelmente coletivas, massificadas. Totalmente diferentes <strong>do</strong>s nus da<br />
Renascença, que eram individuais, tinham no máximo três ou quatro personagens.<br />
Admitiam até cenário. Para Tunico, nós éramos o cenário. [...] Debaixo da marquise<br />
deveríamos nos deixar cair, como se estivéssemos sem forças. Horror, horror, horror:<br />
ficamos literalmente amontoa<strong>do</strong>s, como entulho, e com as costas no chão frio. Minha cabeça<br />
ficou <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da bunda mais peluda <strong>do</strong> universo. Deveria ser transgênica ou mutante, nunca<br />
humana. Quase vomitei.<br />
3.2 - Algumas gotas de literatura...<br />
“A literatura é a literatura”. – Roland Barthes<br />
Antes de colocar o jornalismo frente a frente com a literatura, é necessário que<br />
esta última tenha demarca<strong>do</strong> o seu lugar dentro <strong>do</strong> micro-universo de conceitos que<br />
permeiam este trabalho. Se encerrar uma discussão sobre o conceito de jornalismo já é uma<br />
tarefa difícil, mesmo este já ten<strong>do</strong> sua função básica (transmitir o relato de um fato)<br />
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