Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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“normal”, usada igualmente por to<strong>do</strong>s os membros da sociedade, é uma ilusão. Para ele,<br />
“qualquer linguagem em uso consiste de uma variedade muito complexa de discursos,<br />
diferencia<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> a classe, região, gênero, situação, etc., os quais de forma alguma<br />
podem ser simplesmente unifica<strong>do</strong>s em uma única comunidade lingüística homogênea”<br />
(idem: 6). O atalho utiliza<strong>do</strong> por Eagleton aponta em direção à função <strong>do</strong> escrito<br />
propriamente dito. Ele considera a literatura em si como um discurso “não-pragmático”,<br />
que não tem nenhuma finalidade prática imediata, referin<strong>do</strong>-se apenas a um “esta<strong>do</strong> geral<br />
de coisas”. E, para mostrar esse desprendimento, a literatura, às vezes, deixa isso claro por<br />
meio <strong>do</strong> uso de uma linguagem particular. Para o autor, esse caminho mostra-se revela<strong>do</strong>r,<br />
pois “esse enfoque na maneira de falar, e não na <strong>realidade</strong> daquilo que se fala, é por vezes<br />
considera<strong>do</strong> como uma indicação <strong>do</strong> que entendemos por literatura: uma espécie de<br />
linguagem autoreferencial, uma linguagem que fala de si mesma” (idem: 10-11). Só que,<br />
por outro la<strong>do</strong>, ele lembra que em grande parte daquilo que se classifica como literatura, “o<br />
valor verídico e a relevância prática <strong>do</strong> que é dito é considera<strong>do</strong> importante para o efeito<br />
geral” (idem: 11). E então, como resolver estas contradições e encontrar uma definição que<br />
possa abranger a literatura? A definição de literatura fica ancorada, então, sobre a “maneira<br />
pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é li<strong>do</strong>” (idem: ibid). Dessa<br />
forma, “qualquer coisa” pode ser literatura, e qualquer escrito que seja considera<strong>do</strong> como<br />
literatura, inalterável e inquestionavelmente, pode deixar de sê-lo. Por outro la<strong>do</strong>, Eagleton<br />
lembra que, na Inglaterra <strong>do</strong> séc. XVIII, o conceito de literatura não se limitava aos escritos<br />
“imaginativos” e não-pragmáticos. Abrangia to<strong>do</strong> o conjunto de obras valorizadas pela<br />
sociedade: filosofia, história, ensaios e cartas, bem como poemas. Não era o fato de ser<br />
ficção que tornava um texto “literário” e sim sua conformidade a certos padrões de “belas<br />
letras”. Em suma, da mesma forma que o jornalismo, a literatura não possui uma essência<br />
apreendida igualmente pelo homem através da História.<br />
Muito embora a impossibilidade de conceber uma idéia perene de literatura seja<br />
evidente, é necessário delimitar esse conceito de mo<strong>do</strong> a trabalhá-lo sem ambigüidades.<br />
Como o nosso trabalho lida com a relação entre a ficção e a <strong>realidade</strong>, e o uso da palavra<br />
para designar ou não uma referencialidade, convém-nos a<strong>do</strong>tar a concepção barthesiana de<br />
literatura, que concebe a linguagem literária como veículo propulsor que leva o texto em<br />
direção contrária ao “mun<strong>do</strong> concreto” e, o mais importante, deixa esse vôo fazer-se<br />
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