Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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que “fendem a barreira entre ilusão e <strong>realidade</strong> desvelan<strong>do</strong> um outro real nas dimensões<br />
intersticiais da palavra e da vida” (idem: 57).<br />
3.4 – Ficção e verdade na Irmandade Raoul Duke<br />
"SENTE MEU CORAÇÃO! O cara no bar! Atirou! No Arco Íris! Meu<br />
coração! Tá disparan<strong>do</strong>!" Ela tinha coloca<strong>do</strong> minha mão direita sobre<br />
seu seio esquer<strong>do</strong> e, no lugar de qualquer palpitação alterada, eu<br />
sentia só o mamilo e a carne em volta. Eu não duvidava <strong>do</strong> seu<br />
nervosismo, havia outros indícios de que ela estava realmente<br />
assustada: <strong>do</strong>is zoiões esbugalha<strong>do</strong>s, a fala corrida e desconexa, e o<br />
fato de que fez uma estranha segurar seu peito enquanto contava a<br />
história. Podia estar cheirada também, mas àquela altura não fazia<br />
diferença.- Cecilia Giannetti.<br />
Por mais estranhamento que isso possa causar, o texto da epígrafe acima trata-se<br />
de um trecho de uma matéria gonzo-jornalística. O relato de viés erótico e a sinestesia da<br />
repórter sobrepõem-se ao fato jornalístico que está por trás da cena. Em verdade, a causa <strong>do</strong><br />
nervosismo da “estranha” foi um tiroteio que ocorrera minutos antes num bar, no qual um<br />
homem fora balea<strong>do</strong>. A descrição <strong>do</strong> evento carece de minúcias, mas a repórter logo se<br />
justifica: “Eu não podia exigir detalhes sobre o ocorri<strong>do</strong>; um peitinho já era demais”. Dessa<br />
forma, a narra<strong>do</strong>ra esquiva-se da diegese linear da cena, buscan<strong>do</strong> recursos outros para<br />
transmitir um fato: a apreensão da transeunte e a própria percepção sensorial da repórter.<br />
Sob esse viés, o fato em si é o que menos importa. Na matéria A Noite é Longa e a Saia é<br />
Curta na Lapa... 29 ocorre um processo que é prática recorrente no gonzo-jornalismo: a<br />
ficcionalização <strong>do</strong> fato, por meio <strong>do</strong> qual são utiliza<strong>do</strong>s aspectos da ficção de mo<strong>do</strong> a fazer<br />
com que o “mun<strong>do</strong> real” seja recomposto. “O processo consiste, basicamente, em (re)criar<br />
mun<strong>do</strong>, (re)construir narrativas, quer sejam factuais ou ficcionais, de mo<strong>do</strong> a fazê-las se<br />
29 O título completo é A Noite é Longa e a Saia é Curta na Lapa mas o Mar Não Tá pra Piranha: A Lapa é o<br />
Rio em 2002.<br />
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