Delírio do Verbo: O Jornalismo Gonzo e a realidade ... - Flanador
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No próprio prefácio <strong>do</strong> livro, o autor colombiano revela sua incapacidade de<br />
traduzir toda a amplitude <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real, ao dizer que sua única frustração é saber que<br />
nenhum <strong>do</strong>s protagonistas <strong>do</strong> livro “encontrará no papel nada além de um páli<strong>do</strong> reflexo <strong>do</strong><br />
horror que padeceram na vida real” (idem: 6). E, neste mesmo prefácio, ele acaba por<br />
revelar o nome das duas reféns mortas, Marina Montoya e Diana Turbay, fazen<strong>do</strong> as vezes<br />
de uma espécie de lead. Por outro la<strong>do</strong>, ao restringir o conceito de notícia, Lage define-a<br />
como “o relato de uma série de fatos a partir <strong>do</strong> fato mais importante, e este, de seu aspecto<br />
mais importante” (LAGE, 1982: 36), definição esta que deixa clara a hierarquização como<br />
recurso da produção noticiosa. Já para Alsina, “notícia é uma representação social da<br />
<strong>realidade</strong> cotidiana, produzida institucionalmente e que se manifesta na construção de um<br />
mun<strong>do</strong> possível” (apud HENN, 1996: 34).<br />
As concepções de notícia acima, por si sós, dão abertura para críticas acerca da<br />
atividade jornalística, em aspectos como: construção da <strong>realidade</strong>, seleção, representação e<br />
mediação. Por outro la<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o relato jornalístico é posto dentro <strong>do</strong> contexto da<br />
Irmandade Raoul Duke, tais aspectos ficam ainda mais evidentes. O ambiente no qual o<br />
repórter redige a matéria, seu esta<strong>do</strong> mental e as edições feitas no texto são, então, trazi<strong>do</strong>s<br />
à tona, como em Inferno Sangrento em São Leopol<strong>do</strong>... 24 [ver anexo 2]:<br />
Coloquei pra tocar um pouco de jazz e tentei me concentrar um pouco mais. As freqüências<br />
<strong>do</strong> baixo de Charles Mingus foderam com a minha percepção por completo. Começou a se<br />
tornar virtualmente impossível digitar uma palavra que não contivesse ao menos <strong>do</strong>is erros<br />
estruturais graves. Minha cabeça oscilava sobre o tecla<strong>do</strong> como se eu estivesse tentan<strong>do</strong><br />
marcar o ritmo sincopa<strong>do</strong> da música. O resulta<strong>do</strong> foi um bloco de texto ininteligível que<br />
parecia ter si<strong>do</strong> escrito por um débil mental chapa<strong>do</strong> de benzina e que removi desta matéria<br />
em consideração às pessoas de compleição frágil que possam vir a lê-la. Em algum ponto,<br />
me deitei no sofá e fiquei olhan<strong>do</strong> para o teto e decidi que, embora nunca fosse revelar isso<br />
em público (ops), iria votar naquele cara que não tem to<strong>do</strong>s os de<strong>do</strong>s.<br />
Antes de escrutinar os detalhes <strong>do</strong> jornalismo tradicional, tratemos de “ouvir os<br />
<strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s” e conhecer o ponto de vista daqueles que fazem o jornalismo. Para tal,<br />
24 O título completo é Inferno Sangrento em São Leopol<strong>do</strong> / Quanto Vale um Attorney / Kill All Hippies / Via<br />
Expressa até o teu Crânio.<br />
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