Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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porque Deus o ordena, sendo a relação então estabelecida entre o devedor e Deus – o <br />
verdadeiro credor: <br />
“When someone validly commands me to forgive someone who has wronged me, it is not the <br />
malefactor but the one issuing the command who has a right against me to my forgiving the malefactor; <br />
correspondingly, my duty to forgive is not a duty toward the malefactor but a duty toward the one who <br />
validly commanded me to forgive.” 217<br />
Várias questões se levantam. A nossa objecção principal é a seguinte. Se o imperativo <br />
divino é o factor preponderante para que a relação dever-‐direito não se estabeleça entre o <br />
devedor e o que recebe a caridade, mas entre o devedor e Deus, por que não se aplicará então <br />
este princípio a todos os deveres originados num imperativo semelhante? Wolterstorff não <br />
discute esta questão. <br />
Ora, a ser assim, não se vê de que modo, face a outros imperativos divinos, haverá <br />
lugar à constituição de um direito que não em Deus, relativo a um dever que Ele mesmo <br />
constitua. Neste sentido, teria de se abrir esta excepção para todos os imperativos éticos <br />
divinos. Se, em última análise, todo o imperativo ético fosse, de algum modo, reportável a <br />
Deus, teríamos então de indagar a própria estrutura geral de direitos e deveres proposta. <br />
Poder-‐se-‐ia dizer que o elemento distintivo do dever de caridade é o facto de ter como <br />
base a reciprocidade. Ou seja, tendo Deus sido caridoso para connosco, exige, por sua vez, que <br />
procedamos do mesmo modo para com os demais. Mas parece-‐nos difícil que este seja um <br />
factor distintivo do dever de caridade. Vejamos por que razão. <br />
Os imperativos de Deus, na tradição judaico-‐cristã, não aparecem como actos de pura <br />
arbitrariedade. Não discutiremos de momento se esta concepção de Deus implica uma <br />
limitação do seu poder. Mas há, de facto, a ideia de uma coerência interna, de uma <br />
natureza 218 . <br />
Assim sendo, desde logo se percebe que os imperativos divinos estejam em <br />
consonância com a Sua própria natureza. Há um sentido interno no imperativo, caracterizado <br />
pelo acordo com a própria natureza divina. Há também um sentido externo, caracterizado pelo <br />
acordo entre os actos de Deus para com o indivíduo e o próprio imperativo que Deus <br />
estabelece para o mesmo. Nesta perspectiva, não se vê factor distintivo no dever de caridade. <br />
217<br />
218<br />
Op. cit., p. 383. <br />
O próprio Wolterstorff pressupõe este aspecto, assumindo que Deus é justo. <br />
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