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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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inclusão da justiça correctiva como componente indispensável da justiça (e se é possível <br />

pensar-­‐se tanto na forma da primeira como da segunda), então a imagem que se impõe é <br />

muito mais a de duas cabeças do que a de duas faces da justiça. Ou então, porque se mantém <br />

uma designação comum para as duas cabeças, mas a essa designação comum de facto não <br />

corresponde uma determinação comum, poderemos falar de qualquer coisa como duas <br />

cabeças e um chapéu (suficientemente largo, caro está, para as cobrir a ambas). <br />

Ao limite, Wolterstorff sugere a identificação da justiça primária com a justiça em si. <br />

Apesar de não assumir essa ideia, as características que atribui à justiça correctiva apontam <br />

para tal. Esta ideia será analisada em maior detalhe, nomeadamente a propósito do problema <br />

da punição e do código de reciprocidade. Por ora, foquemo-­‐nos na sugestão de que se pode <br />

conceber um conceito de justiça primária sem o de justiça correctiva. <br />

Como vimos, o autor propõe que a justiça primária assenta no respeito pelo valor <br />

inerente de cada um. Por outras palavras, é estabelecido que o indivíduo merece – ou que lhe <br />

é devido – respeito, em função do seu valor inerente. Este é, segundo Wolterstorff, o princípio <br />

da justiça primária. <br />

O critério do mérito é portanto único, o valor; e inalterável, por ser inerente. Dito de <br />

outro modo, aquilo que me deve acontecer corresponde sempre ao que valho. Mas é <br />

precisamente neste critério, aparente refúgio inabalável do indivíduo, que surge a principal <br />

fragilidade na identificação da justiça primária com a justiça em si. <br />

Pois isto significa que, independentemente daquilo que faça, o que mereço <br />

corresponde sempre ao meu valor. Se neste conceito não está incluída qualquer relação entre <br />

aquilo que faço e aquilo que mereço, então o que mereço está hermeticamente fechado no <br />

meu valor inerente, e as minhas acções não são chamadas ao merecimento. <br />

A vicissitude do merecimento hermeticamente fechado revela-­‐se assim que se sai do <br />

“Jardim do Éden” da justiça primária. Pois a quebra da justiça primária dá-­‐se num plano alheio <br />

a ela mesma: o da responsabilidade – ou, mais exactamente, no plano da acção responsável. <br />

Observe-­‐se que este plano só é desenhado provisoriamente, porque a justiça primária, <br />

por si só, não o consegue suportar. A responsabilidade implica um certo dever de resposta. O <br />

ser responsável é o que tem de responder. Perante uma quebra na justiça primária – ou seja, <br />

perante um desrespeito para com o valor inerente do outro – sou chamado a responder. <br />

O que fica agora em aberto é, então, o seguinte: de acordo com que princípio me será <br />

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