Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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que Séneca não o explicite, o elemento de contracção que especifica imediamente a <br />
noção de temperança, etc., na fixação do seu conceito de clemência não é a <br />
determinação “punição”, mas sim a determinação “inflicção de sofrimento”. A <br />
clemência consiste na temperança na inflicção de sofrimento, depois especificada pela <br />
ideia de punição. Em suma, a clemência é uma temperança nessa modalidade de <br />
inflicção de sofrimento a terceiros que é a aplicação de penas. Vemos, portanto, que a <br />
punição é um tipo especial de inflicção de sofrimento. A questão está agora em saber o <br />
que é que, segundo Séneca, é próprio da aplicação de penas enquanto tal. <br />
A especificidade da punição pode ser interpretada a partir da distinção que <br />
Séneca propõe entre a crueldade e a ferocidade: “[a ferocidade] não só não busca <br />
vingança (já que não foi lesada), mas também não está indignada com nenhuma falta <br />
(já que não foi precedida por nenhum crime)” 20 . Portanto, a contrario, a inflicção do <br />
sofrimento a que diz respeito a clemência (como, aliás, também a crueldade) está <br />
ligada a uma ofensa ou lesão cometida, no sentido específico de ser uma resposta a <br />
essa ofensa, traduzida na expressão “vingança” ou “castigo” 21 . <br />
A ideia de resposta a uma ofensa parece dotar esta inflicção de sofrimento de <br />
uma espécie de motivação específica. Esta, por sua vez, terá de ser contraposta à <br />
motivação afecta à ideia de moderação, que ainda está em aberto. No entanto, esta <br />
motivação, a da inflicção de sofrimento, assume uma carga própria na construção que <br />
aqui analisamos – uma carga que até aqui ainda não havia entrado em cena: a da sua <br />
relevância moral. <br />
A ideia de ofensa (crimen, peccatum), implica, necessariamente, o ferir de uma <br />
sensibilidade moral, correspondente à ideia de justiça. Ou seja, a ideia de ser ofendido <br />
é indissociável de uma consideração do que seja o justo e coloca-‐nos, por isso, num <br />
plano moral. O que quer que seja que tome a forma de pena, castigo ou vingança <br />
20<br />
Cf. 2.4.2, “sed quia ultionem sequitur (non enim laesa est) nec peccato alicui irascitur (nullum <br />
enim antecessit crimen)”. <br />
21<br />
A ideia de a punição estar ligada à vingança ou, mais exactamente, a sugestão de a vingança ser <br />
o fim principal da punição, fora estabelecida na passagem: “O príncipe costuma castigar por duas <br />
razões: ou para se vingar ou para vingar outro” (Cf. 1.20.1, “A duabus causis punire princeps solet, si aut <br />
se uindicat aut alium.”.) <br />
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