Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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Há, no entanto, uma questão que deixámos em aberto: a de saber qual o <br />
conteúdo desse conceito de justiça. Ao analisarmos as obras da clemência, vimos que <br />
as evidências do conteúdo da justiça (justificações) tinham carácter exemplificativo, e <br />
que as várias justificações eram heterogéneas entre si, de tal forma que impediriam a <br />
identificação de um princípio comum entre si. <br />
Os exemplos abrangem uma multiplicidade de realidades de valor, <br />
reconduzidas ao nome “justiça”, mas que, no seu conjunto, produzem ligações vagas, <br />
insuficientes para evitar que a especificidade do valor ético justiça se perca como que <br />
por diluição. A consequência da inclusão de todo este mar de determinações morais <br />
num só conceito é a de lhe retirar o sentido de um valor ético para o aproximar da <br />
noção geral a que corresponde. Uma imagem ilustrativa será precisamente a da <br />
diluição: é possível acrescentar-‐se tanta água a uma solução salgada que acabe por <br />
resultar em algo insosso e insípido. <br />
Neste caso, a diluição do que a justiça possa ter de específico enquanto valor <br />
ético acaba por resultar numa remissão ao valor ético num sentido geral. Cada valor <br />
ético corresponde a uma especificação, a uma contracção do conceito de valor ético <br />
em si. Ou seja, os valores da clemência e da generosidade, por exemplo, são espécies <br />
do género valor ético. Naqueles está implicada a noção de “um bem”. Neste, está <br />
implicada a noção de “o bem”. <br />
Ora, se o princípio da justiça se confundir, em última análise, com a noção de <br />
bem, e se o valor da clemência se constituir como uma expressão desse mesmo <br />
conceito, então os dois conceitos não poderão ser discutidos no mesmo plano. Se <br />
dissermos que a clemência corresponde à justiça, mas retirarmos da justiça tudo o que <br />
possa ter de específico, então do próprio processo que faz depositar nela um conjunto <br />
indefinido de determinações resulta que ela apenas corresponderá à justiça no sentido <br />
de não se encontrar em contradição com ela. <br />
A noção de coerência consiste em averiguar se dois conceitos são <br />
“compatíveis”. Por outras palavras, e remetendo para a fórmula de Lichtenberg, <br />
consiste numa experimentação com ideias “dissolvidas”. Ora, o conceito de justiça, <br />
pela indefinição em que o encontramos, é insusceptível de se colocar em choque com <br />
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