Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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Há, no entanto, um elo de ligação entre a presente divisão e o conceito de <br />
misericórdia. Como vimos na análise do capítulo VIII, a questão pendente de resposta era a de <br />
saber como é que sentíamos o effectum da parte de Deus (e se trata de um effectum de <br />
misericórdia), se não há nenhum affectum correspondente em Deus. Por outras palavras, <br />
cumpria saber qual o fundamento da misericórdia divina. No capítulo IX discutia-‐se se era da <br />
“velha” justiça que essa misericórdia vinha. Nesta passagem vem à superfície uma explicação <br />
para tal: é que Deus, quando perdoa, está a responder a um debitum interno de superlativação <br />
dos seus atributos, que culmina no perdão. Por outras palavras, Deus não sente afecto; os seus <br />
actos de misericórdia advêm de uma pressão deôntica inerente à própria natureza divina. <br />
Permanecem, no entanto, duas ideias fundamentais por ligar. Em primeiro lugar, se a <br />
“nova” justiça implica, pela sua associação ao princípio da impassibilidade, que Deus não pode <br />
ser constrangido nas suas acções por nenhuma pressão externa, como é que a “velha” justiça <br />
pode subsistir numa construção secundum nos, se esta implica precisamente uma resposta <br />
divina em função da pressão proveniente do mérito – que é, portanto, externa? Em segundo <br />
lugar, se a “nova” justiça implica, como corolário do princípio “aquilo acima do qual nada pode <br />
ser pensado”, a superlativação de todos os atributos divinos, então nessa superlativação <br />
também tem de figurar a justiça. São precisamente estas questões que Anselmo aborda no <br />
capítulo XI. <br />
9 – Não um, mas dois secundum te <br />
“Mas não é justo também secundum te, Senhor, que punas os maus? Seguramente, é <br />
justo que sejas tão justo que não te possamos pensar mais justo. E não o serias nunca se <br />
apenas retribuísses bens aos bons, sem retribuíres males aos maus. Quem retribui os méritos <br />
dos bons e dos maus é, efectivamente, mais justo do que aquele que retribui apenas os <br />
méritos dos bons.” 125<br />
Anselmo desconsidera assim a formulação secundum nos do capítulo anterior, <br />
afirmando que, em última análise, Deus, quando castiga, também o faz segundo si próprio. <br />
Este novo elemento é, de certo modo, uma consequência lógica do que fora afirmado até <br />
125<br />
Cf. Proslogion, Cap. XI, “Sed numquid etiam non est iustum secundum te, domine, ut malos <br />
punias? Justum quippe est te sic esse iustum, ut iustior nequeas cogitari. Quod nequaquam esses, si <br />
tantum bonis bona, et non malis mala redderes. Iustior enim est qui et bonis et malis, quam qui bonis <br />
tantum merita retribuit.” <br />
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