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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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do que o devido, é agora entendida como correspondendo exactamente ao devido. <br />

Mas de que forma se deu este salto? <br />

A resposta parece ser que Séneca usa a noção de devido (debitum) em dois <br />

sentidos distintos. Se, de facto, a clemência diverge das às normas estabelecidas, <br />

então temos dois planos distintos de dever. Um deles corresponde ao debitum das <br />

normas estabelecidas: a norma constitui-­‐se enquanto dever de cumprimento. Face a <br />

elas, a clemência é menos do que o devido. <br />

Mas este conceito de devido é “superficial”. Como vimos, a rigidez da norma <br />

provoca um distanciamento entre ela e a justiça no seu sentido superlativo (o <br />

justissimum), que abre a possibilidade de o cumprimento da norma significar, no caso <br />

concreto, uma injustiça. No seguimento desta ideia, no que diz respeito à justiça em <br />

sentido superlativo, é a clemência que corresponde exactamente ao devido. Por isso, <br />

do mesmo modo que se concebem dois conceitos de devido ou debitum, concebem-­‐se <br />

igualmente dois conceitos paralelos de justiça, correspondentes aos dois sentidos de <br />

devido. <br />

A implicação deste raciocínio para o caso da clemência é a seguinte: nos casos <br />

em a clemência intervém, o carácter “devido e merecido” da punição aponta <br />

exclusivamente para o “devido da norma estabelecida”. Se o acto de clemência, ou <br />

seja, de suavização ou remissão da pena, é justo, então, em rigor 76 , a pena (a pena <br />

merecida e devida de que se fala na definição da clemência), seria indevida – no <br />

sentido de ser mais dura do que seria justo. A reformulação que esta concepção <br />

implica é a de que a clemência é a suavização de uma pena que, sendo devida face a <br />

uma norma estabelecida, é mais dura do que efectivamente seria justo (iustissimum). <br />

Por outro lado, esta concepção de justiça, ligada à clemência ilumina o conceito <br />

de severidade e a razão da sua compreensão como virtude. Se considerássemos <br />

apenas o conceito superficial de justiça, a severidade seria injusta, tal como a <br />

clemência: estar-­‐se-­‐ia a agravar uma pena justa. No entanto, vimos que a clemência é <br />

um instrumento da justiça, que intervém em casos em que a punição prevista pela <br />

76<br />

I.e., na óptica do justissimum ou daquilo a que chamámos “justiça total”. <br />

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