Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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É neste ponto que a expressão ex aequo et bono (outra remissão à realidade <br />
jurídica) introduz o elemento-‐chave específico desta questão, ao mesmo tempo que <br />
revela claramente aquilo que está em jogo na questão mais abrangente que temos <br />
vindo a considerar sobre o fundamento da clemência. <br />
A fórmula jurídica ex aequo et bono 69 , (fórmula que, aliás, subsiste até aos dias <br />
de hoje 70 ), tem como ponto de partida o desencontro entre as normas escritas e a <br />
realidade. Ou seja, por muito flexíveis e abrangentes que possam ser as normas de um <br />
determinado ordenamento jurídico, se forem comparadas com complexidade, riqueza, <br />
e constante renovação da realidade, serão sempre rígidas. E isto de tal modo que a <br />
realidade pode estar em parcial ou total desencontro com a norma. Claro que, mesmo <br />
nestas circunstâncias, a decisão continua a ser necessária e também se mantém o <br />
imperativo de justiça. O que parece estar em causa é, portanto, aquele argumento <br />
fundamental sobre a insuficiência da lei codificada (e a necessidade de um legislador <br />
vivo) que já se acha expresso nas Leis de Platão. 71<br />
Assim, a fixação da pena ex aequo et bono é apresentada como uma fixação <br />
segundo a justiça do caso concreto – ou segundo a equidade. Independentemente da <br />
norma escrita, o imperador deve sempre decidir segundo o que seja mais justo, <br />
mesmo quando o tenha de fazer em detrimento de uma norma estabelecida, de uma <br />
formula. É também neste sentido que Séneca afirma: “Não faz nada disto como se <br />
fizesse menos do que o justo, mas fá-‐lo por aquilo que estabelece ser o que há de mais <br />
justo (iustissimum sit).” 72<br />
A concepção que encontramos desenhada por Séneca é, portanto, a seguinte: <br />
aferição da justiça no caso concreto “compensa” a incompletude e a rigidez do <br />
legislador, e o desvio que essa incompletude e rigidez na verdade provocariam em <br />
relação a uma decisão justa no caso concreto. Como refere Séneca, “Tu és o espírito <br />
69<br />
70<br />
71<br />
72<br />
Literalmente traduzida como “em função da equidade e do bem”. <br />
Embora nem sempre com uma formulação exactamente igual. <br />
Cf. PLATÃO, Leges, VI, 770. <br />
Cf., novamente, 2.7.3. <br />
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