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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” 99 . Não será portanto de estranhar a associação <br />

entre o perdão e o amor. Pelo contrário, devemos entendê-­‐la como necessária no presente <br />

contexto. Por outro lado, cumpre explicitar a centralidade deste atributo face aos demais. <br />

Particularmente no Novo Testamento, o amor surge não como um atributo entre outros, mas <br />

como o elemento correspondente à própria natureza de Deus no seu sentido mais profundo, a <br />

ponto de se chegar a dizer “Deus é amor” 100 (e não “Deus é amoroso” ou “Deus é bondoso”). <br />

Posto isto, voltemos então à discussão do problema. <br />

Se virmos bem, a elevação da bondade ao superlativo, em vez de resolver o problema, <br />

intensifica-­‐o. Estamos perante uma peculiar linha de raciocínio: num primeiro momento <br />

lógico, somos confrontados com a incompreensibilidade da misericórdia; mais exactamente, <br />

somos levados à procura de uma razão para que se torne compreensível como é que a <br />

misericórdia convive com a justiça. No momento lógico seguinte, ao chegarmos à razão da <br />

misericórdia, depara-­‐se-­‐nos a bondade, cuja fonte é, se não incompreensível, pelo menos <br />

indecifrável! A condução da bondade à fórmula “totus et summe” fecha ainda mais o círculo, <br />

porque não há margem para Deus ser qualquer outra coisa. Assim, o argumento tem como <br />

que dois lados – e, um deles, que se cruza com o outro, não é o de que a bondade torna a <br />

misericórdia compreensível; não, nesse outro lado, o argumento é, pelo contrário, o de que a <br />

incompreensibilidade da bondade torna compreensível a incompreensibilidade da <br />

misericórdia, por esta ser um rio cuja fonte é a bondade. Por outras palavras, há dois aspectos <br />

aqui em causa: um deles, tem que ver com a circunstância de a fonte do perdão ser <br />

incompreensível; o outro, tem que ver com a incompreensibilidade em causa ser a da <br />

bondade, e não qualquer outra. Não deixa de ser curioso que a intuição de Anselmo não o leve <br />

a afirmar que a bondade torna compreensível a misericórdia, mas que a misericórdia se origina <br />

na incompreensível bondade divina. A remissão para a bondade divina e a reafirmação do <br />

carácter superlativo de que se reveste (e especificamente de que se reveste face à justiça 101 ), <br />

99<br />

Cf. João 3:16. <br />

100<br />

Cf. 1 João 4:8 e 16. Cf., em particular, toda a passagem, do verso 7 ao 21; O Apóstolo João <br />

elabora uma ética do amor a partir da natureza divina, e situa no amor o fundamento da expiação e <br />

salvação. <br />

101<br />

Cf. Proslogion, Cap. IX, “Pois ainda que sejas inteiramente e sumamente justo, és, contudo, <br />

benevolente mesmo para com os maus, e isto porque és inteiramente e sumamente bom.” (“Nam cum <br />

totus et summe iustus sis, tamen idcirco etiam malis benignus es, quia totus summe bonus es.”). Esta <br />

ideia da superlatividade é associada a uma ideia de que “quem é bom para com os bons e maus é <br />

melhor do que aquele que é somente bom para com os bons” (“Melior est enim qui et bonis et malis <br />

bonus est, quam qui bonis tantum est bonus”). Este argumento reaparecerá no Cap. XI, em relação à <br />

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