Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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[animus] do estado [republicae], e o estado é o teu corpo” 73 . Por outras palavras, o <br />
imperador assume, na sua acção (decisão), o papel de legislador vivo: de espírito (e <br />
força motriz) do estado chamado a fazer de legislador vivo. <br />
Mas há, entretanto, um outro aspecto que não convém perder de vista. No <br />
fulcro da relação entre o poder absoluto, não sujeito a qualquer norma codificada, e a <br />
outra justiça que é referida por Séneca, está uma decisão – um acto de decisão, que é <br />
ao mesmo tempo um acto de discernimento. É este acto de discernimento que põe em <br />
contacto com a segunda forma de debitum – a forma de debitum que é irredutível à <br />
mera correspondência entre um determinado acto de transgressão, tomado em <br />
abstracto, e uma determinada punição. <br />
Aqui temos de extrair dos enunciados de Séneca o que se acha pressuposto <br />
neles. Ora, o que se acha pressuposto nesta matéria parece ser o contraste entre o <br />
debitum dessa correspondência abstracta “acto de transgressão / pena” (aquele <br />
debitum relativamente ao qual a clemência constitui um desvio) e o debitum relativo a <br />
toda a constelação de factores para que apontam os exemplos dados por Séneca – se <br />
assim se pode dizer, o debitum da totalidade (a totalidade do debitum), a que a <br />
clemência corresponde e em comparação com o qual o debitum transgredido por ela <br />
não representa mais do que um elemento entre outros 74 . <br />
Nesta perspectiva, a decisão em causa corresponde à justiça no sentido <br />
superlativo (o justissimum) 75 . Séneca está, portanto, a afirmar que a razão última do <br />
73<br />
Cf. 1.5.1, “tu animus rei republicae tuae es, illa corpus tuum”. <br />
74<br />
A este respeito, observe-‐se o seguinte: a insuficiência da codificação ou da formula não fica <br />
superada se, em vez da fixação abstracta de um nexo infracção/pena, a codificação incluir também as <br />
circunstâncias ou os vários aspectos exemplificados por Séneca, quando fala das obras da clemência. O <br />
que está implicado na tese de Platão, que também parece ser a de Séneca, é a continuação da referida <br />
insuficiência (ou do referido carácter abstracto) mesmo nessas condições. Pois nenhuma codificação <br />
consegue deixar de ser abstracta. Pode variar o grau de abstracção, mas qualquer norma codificada fica <br />
aquém da complexidade de tudo aquilo a que o debitum da justiça é relativo. Por isso, é preciso um <br />
olhar vivo – e na verdade (percebe-‐se melhor aqui o nexo) um olhar de bom discernimento: um olhar <br />
sapiente. <br />
75<br />
É o que se exprime no contraste referido no passo antes citado, onde Séneca contrapõe o ius <br />
ao iustissimum – ou seja, aquilo que corresponde ao grau normal àquilo que corresponde ao <br />
superlativo. <br />
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