Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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primeiro núcleo de determinação vem juntar-‐se o segundo elemento que já referimos <br />
– aquele que tem que ver com o âmbito de aplicação a que diz respeito o auto-controlo<br />
ou a temperança em questão. O objecto da moderação própria da clemência <br />
tem que ver com a imposição de uma punição a terceiros. Mas importa perceber que, <br />
de facto, há um elo intermédio na cadeia – um elo que tem que ver com a distinção <br />
entre a inflição de uma punição a terceiros e a inflicção de sofrimento a terceiros, num <br />
sentido genérico. Este elemento não está explicitado por Séneca, mas resulta <br />
indirectamente do percurso seguido nestes capítulos, como se pode perceber a partir <br />
da análise que o De Clementia faz do contrário da clemência. <br />
Quando Séneca apresenta o contrário de clemência, a crueldade (crudelitas), <br />
vinca a distinção entre este vício e outro: o da ferocidade, ou brutalidade <br />
(feritas/brutalitas). Como vimos, Séneca define o vício da crueldade como “dureza <br />
barbárica [atrocitas] 17 do espírito ao punir” 18 . A ferocidade, por sua vez, também se <br />
traduz numa imposição barbárica de sofrimento, mas: “não só não busca vingança (já <br />
que não foi lesada), mas também não está indignada com nenhuma falta (já que não <br />
foi precedida por nenhum crime)” 19 . Ora, isso quer dizer que a ferocidade se inscreve <br />
no quadro geral da imposição de sofrimento (no género “inflicção de sofrimento”), mas <br />
distingue-‐se da crueldade por uma qualidade específica, que já veremos qual é. <br />
De momento, o que importa reter é que a distinção entre a crueldade e a <br />
ferocidade, encontramos um elemento comum, a imposição de sofrimento, que <br />
funciona igualmente como o objecto da clemência num sentido genérico. Se a inflicção <br />
de sofrimento é o objecto da moderação do clemente num sentido genérico, a <br />
inflicção de uma punição é o objecto dessa moderação num sentido específico. Mesmo <br />
17<br />
A palavra atrocitas, que traduzimos por dureza barbárica, pode igualmente ser traduzida como <br />
atrocidade, monstruosidade, crueldade, rudeza, violência, furor, selvajaria, rigidez, aspereza. Em virtude <br />
do contexto, a grande intensidade da palavra contrasta de pelo menos dois modos: por um lado, com <br />
suavidade (lenitas), por outro, com a noção de moderação (moderatio). Por esse motivo, traduzimo-‐la <br />
por uma expressão de duas palavras que expressassem o melhor possível o seu sentido e a sua força. <br />
18<br />
Cf. 2.4.1, “quid ergo opponitur clementiae? Crudelitas, quae nihil aliud est quam atrocitas animi <br />
in exigendis poenis”. <br />
19<br />
Cf. 2.4.2, “sed quia ultionem sequitur (non enim laesa est) nec peccato alicui irascitur (nullum <br />
enim antecessit crimen)”. <br />
14