10.01.2014 Views

Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

epreensível. 29 Por outras palavras: Séneca não se limita a legitimar a alteração da <br />

pena para menos do que o debitum. Dá também outro passo não menos <br />

surpreendente – sobretudo em vista dessa mesma legitimação: acaba por legitimar <br />

igualmente a alteração da pena para mais do que o debitum. <br />

Atentemos nas razões por que tudo isto resulta surpreendente (sobretudo <br />

aquelas que têm que ver com o próprio rumo tomado pelas análises de Séneca). O <br />

facto de o autor do De Clementia “dar a sua bênção” à clemência sugere que de <br />

maneira nenhuma a dará também à severidade – àquela forma de agravamento da <br />

pena que excede a poena debita ac merita (pois só nisso poderá consistir a <br />

severidade). Ora, esta expectativa sai defraudada. Com efeito, quando lhe atribui o <br />

estatuto de virtude, Séneca também dá – de forma clara e inequívoca – a sua “bênção” <br />

à severidade. <br />

Em suma, o De Clementia não se limita a legitimar uma pena mais suave do que <br />

a pena merecida, também parece legitimar a aplicação de uma pena mais grave. <br />

A questão que se suscita é então a de saber como pode ser assim. Isto é: que é <br />

que pode legitimar a diminuição da pena em relação ao debitum – e como é que a <br />

mesma perspectiva (o mesmo princípio) pode legitimar também a sua agravação. <br />

Mais: se ambas as formas de desvio relativamente à poena merita ac debita (isto é, <br />

como tentámos demonstrar, as duas formas de desvio em relação à justiça) pertencem <br />

igualmente à esfera da virtude, que é que permite então decidir entre elas? Trata-­‐se de <br />

algo indiferente – tanto faz uma coisa como outra? Mas não significa isso uma total <br />

arbitrariedade numa matéria tão grave? <br />

29<br />

Pode-­‐se perguntar se também neste caso faz sentido falar de uma forma de auto-­‐controlo ou <br />

temperança, como no caso da clemência. Séneca não se pronuncia sobre esta matéria. Mas, vendo bem, <br />

tudo indica que sim. Dos dois elementos de contraste entre a clemência e a crueldade, a <br />

suavização/agravação da pena e a moderação/descontrolo, só o primeiro desempenha um papel <br />

relevante na distinção entre a clemência e a severidade. A severidade traduz-­‐se numa agravação da <br />

punição, sim, mas nada indica que tenha o que quer que ver com falta de temperança ou auto-­‐controlo. <br />

Perguntar-­‐se-­‐á: se a severidade também tem que ver com auto-­‐controlo ou temperança, que é que é <br />

moderado nela ou por ela? Séneca não responde a esta pergunta. Mas parece que a resposta é a <br />

seguinte: para se exercer a severidade, é necessária a moderação sem a qual aquilo que é decidido não <br />

se regula pelas razões que, como já veremos, determinam a severidade, mas por outras inclinações <br />

diferentes delas. Ou seja, a severidade tem de moderar todas as inclinações não virtuosas que podem <br />

inclinar um ser humano a não agravar a pena. Uma delas é justamente a misericórdia. <br />

21

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!