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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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da misericórdia (e não apenas da bondade) explicitamente coincidente com a justiça 108 . Em <br />

segundo lugar, se à primeira vista as várias fórmulas podem parecer meras repetições de <br />

contraste entre a “misericórdia justa” e a “misericórdia injusta”, numa análise mais próxima <br />

apercebemo-­‐nos de que há um decrescendo nesse contraste (um decrescendo da intensidade <br />

da relação com a ideia de justiça). Na primeira formulação, há um confronto claro entre a <br />

justiça e a injustiça. Na segunda, a referência à justiça já é mais subtil, e remete já para o <br />

indivíduo: o que é apontado assenta no conceito de mérito, que vimos ser o elemento <br />

principal do conceito de justiça inicialmente proposto. Na última fórmula, a referência à justiça <br />

é ainda mais distante, pois o que está em causa é perspectiva e a acção de Deus, que <br />

reconhece os méritos que ele próprio concedeu e perdoa os deméritos que abomina. Esta <br />

progressão subtil, ao introduzir a justiça numa parte dos actos misericordiosos, por um lado, e <br />

ao fazer esbater a distinção entre esses e os que seriam injustos, por outro, prepara o leitor <br />

para uma recolocação da questão. <br />

Ora, é essa inflexão que encontramos produzida logo a seguir: “[...] Porque, mesmo se <br />

é difícil compreender como a tua misericórdia não está ausente da tua justiça, é todavia <br />

necessário acreditar que nunca o que transborda da tua bondade – a qual é nulla sem a tua <br />

justiça – tem como adversário a tua justiça, mas antes verdadeiramente concorda com ela.”. <br />

O que encontramos neste passo a um cruzamento fulcral da justiça com a bondade – <br />

um cruzamento em que o intelligere se sujeita ao credere, mas num sentido peculiar, como <br />

vimos. O intelecto poderia dar lugar à fé simplesmente em virtude de ele próprio não <br />

encontrar nada (de sorte que o resultado dessa cedência correspondesse a uma total ausência <br />

de intelligere). Mas não é isso que está aqui em causa. Aqui a cedência do intelecto está ligada <br />

ao reconhecimento de uma intelligentia superior que, no entanto (essa é a dificuldade), reside <br />

numa “luz inacessível”. Neste sentido, o credere impõe-­‐se, não porque seja por natureza <br />

superior ao intelligere, mas por corresponder à sujeição a um intelligere divino. <br />

Por um lado, ainda no que diz respeito à metáfora da fonte, quando se afirma que “o <br />

que transborda” da bondade divina jamais tem como adversária a justiça e quando se aponta <br />

para uma “concordância” entre os atributos de Deus, inclui-­‐se a misericórdia. Neste ponto, <br />

108<br />

Aqui há que ter em conta vários aspectos. Por um lado, a coincidência que já havia sido <br />

encontrada dizia respeito à justiça e a bondade. Por outro lado, essa coincidência entre a justiça e a <br />

bondade dizia respeito única e exclusivamente à salvação dos bons e não parecia ter nada que ver com a <br />

misericórdia. A misericórdia ou o perdão ficava justamente do lado em que a justiça e a bondade não <br />

coincidiam. <br />

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