Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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então -‐-‐ e dá como que resposta às objecções que apresentámos no final do ponto anterior. <br />
Por um lado, se Deus pune simplesmente em função do mérito das criaturas, isso significa, em <br />
última análise, que a sua acção é condicionada por algo que não Ele mesmo. Neste sentido, a <br />
construção secundum nos, o “velho” conceito de justiça, não seria compatível com a <br />
impassibilidade (Deus seria afectado), nem com o “novo” conceito de justiça (que, como <br />
vimos, sendo um corolário do princípio “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado”, <br />
implica a ideia de que Deus responde apenas a uma pressão interna a si mesmo). Por outro <br />
lado, se esta “nova” justiça implica, através de uma pressão interna divina, a superlativação <br />
dos atributos, então a própria justiça (a “velha”) teria de estar incluída nessa superlativação.. <br />
Assim, o conceito da “nova” justiça, a justiça do ser, é aplicado à “velha”, a do fazer: <br />
“Seguramente é justo que sejas tão justo que não te possamos pensar mais justo”. A <br />
construção do atributo da justiça assume, portanto, uma configuração diferente. Deus castiga, <br />
não com fundamento no mérito das criaturas, mas no debitum interno relativo à <br />
superlativação da justiça. Deste modo, aquilo que é visto como uma punição em função do <br />
nosso mérito (secundum nos) é, na verdade, uma visão superficial do que acontece em Deus. <br />
Ele age em resposta àquilo que é. Em suma, a justiça secundum te corresponde ao princípio <br />
mediante o qual Deus retribui segundo o mérito, mas em que a fundamentação última desse <br />
acto reside unicamente na pressão deôntica do superlativo em relação ao atributo da justiça. <br />
A consequência directa deste raciocínio é a defrontação de dois princípios – a bondade <br />
e a justiça – no próprio plano do secundum te: “É, assim, justo secundum te, ó Deus justo e <br />
benevolente, que punas e que perdoes 126 .” A conclusão é a de que ambos os princípios são <br />
fruto de um debitum interno de superlativação. Estão, portanto, no mesmo nível de debitum. <br />
Neste caso, se é “justo perdoar e justo punir”, toda a aparente contradição inicial entre os <br />
atributos volta a emergir ainda com maior vigor: quanto aos bons, o debitum da justiça – <br />
retribuir – coincide com o da bondade. Quanto aos maus, há um mesmo debitum (o princípio <br />
do superlativo) a determinar duas consequências opostas em relação ao que fazer com eles: <br />
perdoar e punir. Isto põe o problema fundamental de responder ao mesmo tempo a duas <br />
perguntas simétricas: “como é que Deus perdoa, se é justo?” e “como é que Deus pune se é <br />
bondoso?”. Uma pergunta decorrente da falta de resposta àquelas perguntas é a que o <br />
próprio Anselmo faz: “não há certamente nenhuma razão que possa fazer compreender <br />
porquê, entre maus semelhantes, pela tua suma bondade salves uns em vez de outros, nem <br />
126<br />
Cf. Proslogion, Cap. XI, “ Iustum igitur est secundum te, iuste et benigne deus, et cum punis et <br />
cum parcis.” <br />
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