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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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ser socorrido. <br />

Este aspecto é essencial para a concepção da misericórdia. A fraqueza interior, <br />

subjacente à misericórdia (por oposição à moderação e ao auto-­‐controlo do sábio), faz <br />

que a prática da misericórdia seja independente e completamente desligada do mérito <br />

de quem a recebe (quer dizer também: independente e completamente desligada do <br />

carácter merecido ou imerecido, devido ou indevido da pena que está em causa na <br />

inflicção de sofrimento). O misericordioso, na sua fraqueza, acredita sempre que o <br />

sofrimento é indevido. Tocamos aqui um ponto decisivo para compreender a <br />

especificidade da misericórdia, tal como é descrita por Séneca. Quando diz que o <br />

misericordioso acredita que todo sofrimento alheio é imerecido, o que está em causa é <br />

a transformação da incapacidade que o misericordioso tem de assistir ao sofrimento <br />

alheio (uma incapacidade que é sua, resulta de fraqueza própria, etc.) num juízo sobre <br />

o carácter imerecido do sofrimento. Por outras palavras, o misericordioso não atende <br />

à natureza dos actos que se trata de castigar, não avalia o carácter merecido ou <br />

imerecido das penas de cada vez em causa: está dominado por um juízo global, <br />

indiscriminado, sobre a inaceitabilidade do sofrimento e, segundo Séneca, esse juízo <br />

não é outra coisa senão o resultado de uma projecção (e, se assim se pode dizer, <br />

“objectivação”) da fraqueza própria 40 . <br />

Este núcleo interior daquilo que constitui a misericórdia manifesta-­‐se naquilo <br />

que podemos descrever como as características exteriores da misericórdia, sobre que <br />

Séneca também se debruça. <br />

Estas características exteriores da misericórdia interessam em especial por dois <br />

motivos: por um lado, porque, como se disse, é neste plano que se situa a margem de <br />

“coincidência” entre a misericórdia e a clemência (de que resulta a possibilidade de <br />

uma ser confundida com a outra); por outro lado, porque mesmo neste plano exterior <br />

40<br />

I.e, de uma confusão categorial em virtude da qual a incapacidade de aguentar o espectáculo <br />

do sofrimento se transforma num juízo sobre o carácter imerecido dele. Podemos acrescentar que se <br />

trata de algo semelhante àquilo que se passa no juízo de ressentimento, quando a proverbial raposa <br />

transforma a sua incapacidade de alcançar as uvas no juízo segundo o qual estão verdes. Naturalmente <br />

que, ao dizermos isto, não é a componente de “máfé”, que não está implicada no caso da misericórdia, <br />

mas a componente de tradução de algo próprio – como dizemos: “subjectivo” – em algo com pretensão <br />

de validade “objectiva” e que parece independente da fragilidade puramente “subjectiva” que o gerou. <br />

25

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