Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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acentua-‐se a ideia anterior sobre o esbatimento do conflito ou da tensão entre os atributos: a <br />
misericórdia coincide com a justiça. No entanto, mesmo nas três fórmulas que analisámos, o <br />
âmbito de coincidência entre a misericórdia e a justiça ficava ainda longe de corresponder a <br />
todas situações de misericórdia (e designadamente deixava de fora a coincidência no caso do <br />
perdão). Subsistia, portanto, uma margem de não-‐coincidência. Ora, esta passagem que agora <br />
estamos a analisar aponta, pelo contrário, para uma harmonia total que o credere inculca ter <br />
de haver até entre a justiça e a misericórdia. A dificuldade está em que não se concebe <br />
perceber como. Essa é a dificuldade do intelligere – e corresponde à questão que está por <br />
responder desde o início 109 . <br />
Assim, o que é então introduzido de substancialmente novo neste passo é uma <br />
afirmação sobre a relação entre os dois atributos, numa preparação do terreno para, <br />
finalmente, poderem ser contrapostos. Mas o facto é que, por outro lado, o peregrino de <br />
Anselmo introduz um novo elemento, que na verdade o leva a explorar uma nova <br />
possibilidade – e significa nada menos do que uma viragem. Se até aqui a junção da bondade e <br />
da justiça podia ser pensada como uma mistura de água e azeite, a afirmação de que a <br />
bondade de Deus é nulla sem a Sua justiça deita por terra esta imagem. A palavra nulla, neste <br />
contexto, poderia ter, pelo menos, dois sentidos. Por um lado, poderia significar que a <br />
bondade não existiria sem a justiça, no sentido de serem atributos interdependentes, cujo <br />
origem se encontraria num princípio comum, que implicaria e integraria ambos. Deste modo, <br />
um princípio comum uniria o que à primeira (e à segunda…) vista parece ser uma oposição. <br />
Esta interpretação poderia ser favorecida pelo que se diz na passagem seguinte: “és <br />
verdadeiramente misericordioso pela mesma razão que és sumamente justo”. Se assim fosse, <br />
o que se afirma em relação à bondade – ser nulla sem a justiça – poderia ser inversamente <br />
afirmado também em relação à justiça (dizendo-‐se então que ela é nulla sem a bondade). Isto <br />
resolveria o problema, se porventura se estivesse em condições de determinar então a <br />
natureza e determinação desse princípio comum. <br />
Sucede, porém, que, em vez de seguir esse caminho (que, de todo o modo, fica <br />
desenhado como possibilidade), o peregrino de Anselmo vai numa outra direcção – a de <br />
“acreditar” que a misericórdia e, por maioria de razão, a bondade 110 , em vez de serem <br />
109<br />
Entenda-‐se: entre a justiça e a misericórdia no âmbito de uma relação entre a justiça e a <br />
bondade. <br />
110<br />
Apesar de o discurso se desenvolver na forma de uma análise da relação entre a misericórdia e <br />
a justiça. <br />
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