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Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN

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passio, sc. do paschein. Por outro lado, significa também a total ausência de algo que constitui, <br />

por assim dizer, uma modalidade ou uma espécie dessa primeira acepção: a passio como <br />

sofrimento num sentido mais estrito, que envolve a ideia de dor, etc. 82 . A perspectiva <br />

desenhada por Anselmo supõe que, se Deus não fosse impassível, isso significaria que o seu <br />

poder estaria ou poderia estar, de algum modo, limitado – posto sob o ascendente de outro. <br />

Assim, num sentido ontológico, a impassibilidade assenta na ideia de que Deus é totalmente <br />

activo no seu ser, e, por isso, em perfeito controlo. Do mesmo modo, a impassibilidade está <br />

ligada à ideia da imutabilidade divina: ser afectado implica uma sujeição a mudança – e entra <br />

em conflito com a ideia de imutabilidade. Este rápido relance põe em evidência um ponto <br />

importante: mesmo que os capítulos aqui em causa foquem especialmente a tensão entre a <br />

misericórdia e a impassibilidade 83 , por um lado, e a misericórdia e a justiça 84 , por outro, esses <br />

dois elementos de tensão fazem parte de uma constelação mais vasta de focos de conflito <br />

entre as diferentes determinações atribuídas a Deus, e que parecem implicadas na ideia da sua <br />

perfeição. Só a simultânea consideração de todos esses aspectos permitiria perceber mais <br />

adequadamente a que ponto o pensamento do superlativo, de que se trata no Proslogion, <br />

esbarra contra limites – se assim se pode dizer, contra uma contínua ultrapassagem por aquilo <br />

que enfrenta. <br />

Mas concentremo-­‐nos no ponto que o capítulo VIII considera de forma mais detida. A <br />

pergunta inicial, “Mas como é que és ao mesmo tempo misericordioso e impassível?” 85<br />

introduz a ideia de que a misericórdia divina entra em aparente choque com a sua <br />

impassibilidade. Esta ideia é exposta a partir da própria composição etimológica da palavra <br />

misericórdia: miserum – e, portanto, miseria – enquanto aflição, sofrimento e angústia, e cor, <br />

literalmente, “coração”, no sentido do núcleo de sentimentos, ou de alma. O conceito de <br />

misericórdia inicialmente apresentado é então associado à compaixão (compassio), que <br />

significa literalmente “sofrimento com outro” 86 . A misericórdia é então um sofrimento no <br />

82<br />

No princípio do capítulo, a noção de impassibilidade poderia ser interpretada como apenas <br />

relativa à primeira acepção, embora a ligação ao conceito de misericórdia sugira que também está em <br />

causa a segunda. Mas, no segundo parágrafo gramatical, torna-­‐se inequivocamente claro que a segunda <br />

acepção está também em jogo. <br />

83<br />

No capítulo VIII. <br />

84<br />

85<br />

Nos capítulos IX-­‐XI. <br />

“Sed et misericors simul et impassibilis quomodo es?” Proslogion, 8.5.. <br />

86<br />

N.b., sofrimento nas duas acepções referidas, com a primeira incluída ou pressuposta na <br />

segunda. <br />

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