Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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implica uma perspectiva sobre a sua origem – ou seja, justamente sobre aquilo que está em <br />
causa no secundum te. 90 Ora, o que está em causa na cisão entre secundum te e secundum nos <br />
é o facto de a perspectiva secundum te sobre aquilo que está na origem do effectum chocar (e <br />
chocar frontalmente) com a perspectiva secundum te sobre isso mesmo. <br />
A tensão que, assim, se revela irredutível entra, portanto, na própria esfera daquilo a <br />
que o peregrino de Anselmo chama secundum nos (a perspectiva que temos sobre a <br />
misericórdia divina). Essa perspectiva pode estar embarcada numa simples compreensão da <br />
misericórdia de Deus secundum nos (que faz corresponder ao effectum o affectum). Mas <br />
também pode estar advertida para a dificuldade em causa no cap. VIII e perceber que <br />
secundum te a misericórdia de Deus é sem affectum. Sucede, porém, que essa nossa <br />
perspectiva que já tem em consideração o secundum te vê o secundum te, propriamente dito, <br />
como que “de fora” e sem saber que é que secundum te (secundum Deum) está no lugar do <br />
affectum – i.e, vê o secundum te como um oxímoro que não está em condições de resolver. <br />
Isto põe-‐nos na pista de um ponto decisivo para a compreensão daquilo que é <br />
apresentado no cap. VIII. Trata-‐se do seguinte: as duas perspectivas –secundum nos e <br />
secundum te – não podem ser concebidas como simétricas, ou seja, como estando numa <br />
posição de igualdade (como se só mudasse o ângulo a partir do qual se observa e os dois <br />
ângulos tivessem a mesma qualidade, ombreassem um com o outro). Sucede o contrário, <br />
como uma das perspectivas é a de Deus, gera-‐se uma assimetria tal que a expressão <br />
“perspectiva” pode induzir em erro. Deus vê as coisas exactamente como são, nós vemos <br />
como se nos apresentam em resultado da nossa limitação. Neste sentido, quando se afirma <br />
que Deus não é misericordioso segundo si próprio, está-‐se simultaneamente a afirmar que <br />
Deus não é misericordioso. <br />
Observe-‐se, antes de avançar, que, neste passo, se regista uma semelhança curiosa <br />
com a análise de Séneca. O peregrino de Anselmo, ao não negar os actos que percebemos <br />
como misericordiosos, sugere que Deus realiza actos de misericórdia sem sentir misericórdia. <br />
Resta, no entanto, perceber por que razão o faz. <br />
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Como vimos, o próprio conceito de misericórdia implica ao mesmo tempo uma determinada <br />
acção que se sente e o facto de a essa acção corresponder uma determinada origem no sujeito dela <br />
(neste caso, Deus) – mais precisamente, naquela determinação desse sujeito que é o affectum da <br />
misericordia. Nesse sentido, a compreensão secundum nos do que quer que seja como misericórdia de <br />
Deus implica uma perspectiva sobre Deus (quer dizer, sobre isso mesmo que está em causa no <br />
secundum te) <br />
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