Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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a misericórdia tem características em que contrasta com a clemência. De sorte que a <br />
distinção entre clemência e misericórdia tem o seu centro no contrate entre os <br />
motivos que num e no outro caso levam à travagem da inflição de sofrimento a <br />
outrem, mas também pode e deve incluir elementos relativos à manifestação exterior <br />
(ou seja, àquilo que é visível de fora, mesmo quando não se tem acesso à motivação <br />
dos actos, ao seu sentido interno, etc.) <br />
O primeiro elemento de manifestação exterior da misericórdia é o facto de ela <br />
estar associada a uma experiência de perturbação com o sofrimento, que tende a <br />
exteriorizar-‐se. Por contraste, o clemente distingue-‐se pelo seu rosto (ou pela <br />
expressão facial: uultu suo) – mais precisamente pelo rosto impassível. Mas esta ideia <br />
continua mais estreitamente ligada ao lado interno, como se servisse para denotar <br />
externamente que os actos em causa na clemência e na misericórdia têm uma <br />
natureza diferente – num caso envolvendo auto-‐controlo, no outro não. <br />
O segundo elemento de manifestação exterior da misericórdia tem que ver <br />
com o seu carácter abrangente e mesmo universal. Os actos de misericórdia prendem-se<br />
com o auxílio aos que estão em sofrimento. Mas esse auxílio dirige-‐se tanto aos que <br />
sofrem por via das circunstâncias (por exemplo, no caso do socorro a náufragos, das <br />
esmolas aos necessitados, etc.) quanto aos que sofrem em virtude de actos por si <br />
praticados (por exemplo, no caso da anulação de uma condenação de morte 41 , da <br />
libertação de presos 42 , do enterro de criminosos, etc. 43 ). Este carácter “universal” da <br />
misericórdia contrasta com aquilo que, segundo Séneca, é próprio da clemência: o <br />
facto de ela ter que ver, <br />
em primeiro lugar com inflicção de sofrimento (não com todo o sofrimento em geral, <br />
mas com a inflicção de sofrimento). Como vimos, a inflicção de sofrimento é o objecto <br />
da clemência em sentido genérico, mas, em sentido específico, a clemência diz <br />
respeito apenas à inflicção de penas. Nesse sentido, a esfera da clemência e a esfera <br />
41<br />
42<br />
43<br />
Cf. 2.6.2, “às lágrimas de uma mãe ofertará o filho” (“donabit lacrimis maternis filium”). <br />
Cf. 2.6.2, “mandará quebrar grilhões” (“catenas solui iubebit”). <br />
Cf. 2.6.2, “até de um criminoso enterrará o cadáver” (“cadauer etiam noxium sepeliet”). <br />
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