Tese Mestrado - Tiago Macaia Martins.pdf - RUN
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CAPÍTULO II <br />
O CASO DO DEUS SUMAMENTE JUSTO QUE PERDOA <br />
1 – Introdução <br />
Neste capítulo abordaremos uma passagem do Proslogion, em que S. Anselmo levanta <br />
o problema da compatibilidade entre o perdão (sc. a misericórdia) e a justiça divinos. Mesmo <br />
que de forma diversa da que vimos no De Clementia, também nestes capítulos do Proslogion <br />
(os capítulos VIII -‐ XI) a contraposição entre estes dois conceitos e a análise da tensão que <br />
sustentam entre si está no centro da preocupação de Anselmo e constitui o fio condutor. <br />
A discussão é apresentada no plano da teologia cristã. O argumento sobre a existência <br />
de Deus, a partir da ideia “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” 77 , funciona <br />
também como um pano de fundo, defronte do qual se vão desenrolando os vários argumentos <br />
secundários expostos no Proslogion. <br />
Esta ideia, ao mesmo tempo que define Deus na superlatividade do pensamento e na <br />
Sua perfeição, tem subjacente uma outra ideia, igualmente presente no discurso que <br />
analisaremos: a de que Deus, sendo “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado”, é <br />
simultaneamente e, por causa disso, “maior do que aquilo que pode ser pensado”. Ou seja, <br />
não só a ideia de Deus é “maior” do que qualquer outra ideia susceptível de ser pensada, mas <br />
também é maior do que tudo o mais – o que faz que seja maior do que aquilo que <br />
efectivamente consegue ser pensado por nós 78 . <br />
Este passo é fundamental para a compreensão do que está em jogo no problema em <br />
análise, na medida em que introduz uma “janela” no pano de fundo a que nos referimos. A <br />
ideia de que a perfeição de Deus vai igualmente para além dos limites do pensamento, <br />
articulada com a ideia de Deus a definir, num certo sentido, esses mesmos limites, fornece ao <br />
teólogo dois “instrumentos de pensamento”. Por um lado, permite que se possa pensar na <br />
ideia de Deus e, especificamente, nos seus atributos, porque a ideia de Deus está definida, <br />
77 “id quo maius cogitari non possit”. <br />
78<br />
Há, portanto, qualquer coisa como uma tensão inerente a este pensamento da superlatividade. <br />
Ao mesmo tempo que supõe uma certa eficácia do pensamento, a ideia nuclear da chamada “prova <br />
ontológica” traz consigo uma ultrapassagem do nosso próprio intelecto no confronto com esta mesma <br />
ideia – que de certo modo está ao seu alcance, mas, por outro lado, também o ultrapassa.