Baixar - Brasiliana USP
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coco e nas orelhas, com o rosto nublado<br />
na penumbra de seu largo<br />
chapéu de palha, com o seu triste<br />
caminhar de grávida, o seu descahir<br />
de cabeça, as suas mãos transparentes,<br />
como que esquecidas e<br />
sem movimento, sentia-se a gente<br />
attahir para ella, por uma plácida<br />
sympathia compassiva. A expressão<br />
resignada de seus olhos, aliás talhados<br />
para os segredos da ternura, o melancólico<br />
sorrir de seus lábios, que,<br />
entretanto, pareciam- feitos somente<br />
para executar a musica ideal dos<br />
beijos, o seu ar abatido e fraco, a<br />
sua respiração quebrada, a sua voz<br />
supplicante e humilde; tudo o que,<br />
respirava de sua figura adorável e<br />
romântica, penetrava os sentidos<br />
com a voluptuosa impressão, qvre nos<br />
produzem os perfumes da egreja,<br />
os sons plangentes do órgão, e os<br />
mysticos arroubos religiosos.<br />
A tarde ia já cahindo no crepúsculo.<br />
O sol havia mergulhado na<br />
fimbria vulcânica do horizonte, mas<br />
toda a natureza ainda palpitava sob<br />
a sensação de seus últimos beijos<br />
fecundos e ardentes. As aves recolhiam-se<br />
áo mysterio de seus ninhos,<br />
e do fundo sombrio dos arvoredos<br />
exhalava-se o canto monótono das<br />
cigarras, que sobresahia d'entre os<br />
primeiros rumores da noite como um<br />
interminável gemido solto no espaço.<br />
E' a hora das profundas concentrações,<br />
dos extasis voluptuosos.<br />
Tudo parece que tem uma saudade á<br />
carpir, de cada moita de roseiras, de<br />
cada grupo de bambus, partem ternos<br />
suspiros e queixumes dolorosos. A<br />
natureza como que chora a partida<br />
de seu fogoso amante, que desappareceu<br />
nas dobras luminosas do occi-<br />
MYSTERIO DA TIJUCA 99<br />
dente. Tudo é viuvez! Tudo é saudade<br />
!<br />
E' n'essa hora dúbia e transitória<br />
que nos é dado surprehender a natureza<br />
nos segredos de seu amor; é<br />
entre o ultimo sorriso do sol e a primeira<br />
lagrima da noite, que podemos<br />
penetrar no coração enorme de<br />
n jssa mãe commum. Ella como que<br />
o abre para chorar a vontade; sente-se<br />
então o orvalho de seu pranto;<br />
ouve-se a dor de seus soluços.<br />
Gregorio estava arrebatado por<br />
essas idéas, quando contemplou o<br />
vulto melancólico", que subia lentamente<br />
a escadaria de pedra pelo braço<br />
do velhp. E desde então aquella triste<br />
figura de mulher não lhe sahio mais<br />
da memória. Só no dia seguinte tornou<br />
a vel-a; ella havia passado muito<br />
mal a noite, tivera ameaças de uma<br />
crise nervosa e fora preciso consultar<br />
pela manhã o medico.<br />
Uma semana depois, Gregorio havia<br />
já travado relações com os dous<br />
novos hospedes, e possuía alguns<br />
esclarecimentos a seu respeito ; si<br />
bem que o velho, por indole natural,<br />
se mostrasse reservado com todos.<br />
A senhora, que o acompanhava<br />
era sua filha ; chamava-se Olympia,<br />
e vivia ha quatro annos separada do<br />
marido o qual já apresentámos ao<br />
leitor no capitulo V, a queixar-se na<br />
secretaria de policia ao delegado<br />
Benevides do roubo que acabava de<br />
soffrer a casa Paulo Cordeiro.<br />
O marido de Olympia era o caixa<br />
d'esse estabelecimento e, como vimos<br />
n'aquelle mesmo capitulo, foi elle<br />
quem chamou sobre Gregorio a attenção<br />
das autoridades policiaes.<br />
Olympia era um espiritosinho<br />
muito caprichoso; educada sentimentalmente,<br />
nunca chegara a com-