Baixar - Brasiliana USP
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— Eu não me occupo e não moro,<br />
respondeu o gatuno.<br />
— E então como o vive ? insistiu o<br />
rapaz.<br />
— Não vivo, respondeu o outro,<br />
comum accento de profunda tristeza.<br />
— E porque não procura trabalhar?<br />
Porque não se occupa em qualquer<br />
serviço ?<br />
— Porque me falta a coragem para<br />
isso. Eu sou um desgraçado. Estou<br />
completamente perdido !<br />
— Entretanto não me parece um<br />
homem,sem habilitações.<br />
— Ah ! isso são modos de ver.<br />
Todo o homem tem habilitações,<br />
desde que se dispõe a isso. Eu podia<br />
dar um bom saltimbanco, mas o maldito<br />
rheumatismonão me deixa ser<br />
senhor de minhas pernas.<br />
— Mas por que não se arranja ahi<br />
em qualquer cousa? Hoje no Rio de<br />
Janeiro è muito fácil ganhar a vida.<br />
— Espero tirar um prêmio na loteria.<br />
— Não tem parentes ?<br />
— Tenho.<br />
— Ah!<br />
— Mas estão mortos.<br />
Pergunto-lhe si tem algum vivo.<br />
— Também tenho d'isso. Tenho<br />
um filho.<br />
— Ah!<br />
Tem um filho ?... E o que é feito<br />
d'elle ?<br />
— Não sei.<br />
— E o que mais tem além d'esse<br />
filho?<br />
— Uma fome devoradora. Ha trinta<br />
e tantas horas que não como.<br />
— Pois venha para cá. Vou dar-lhe<br />
o que comer.<br />
— Obrigado, disse Pedro Ruivo,<br />
levantando-se disposto a acompanhar<br />
Gregorio.<br />
MYSTERIO DA TIJUCA 95<br />
E d'ahi a pouco entravam os dous<br />
no hotel, seguidos dos outros rapazes,<br />
que já lá haviam chegado.<br />
O typo miserável de Pedro Ruivo<br />
causou nos hospedes uma terrível<br />
impressão. O gatuno desafinava desastradamente<br />
com o caracter socegado<br />
e burguezmente confortável da<br />
casa do papá Falconnet.<br />
Vieram logo todos os de casa para<br />
a sala em que estava Pedro Ruivo.<br />
O velho havia já referido os ^>rmenores<br />
de seu encontro na chácara,<br />
e, como de costume, exaggerara um<br />
pouco as circumstancias do facto.<br />
Principiou-s,e a coxixar sobre o recém-chegado<br />
e ninguém parecia disposto<br />
a perdoar a exquisitice de<br />
Gregorio, recolhendo á casa um vagabundo,<br />
despresivel por todos os motivos.<br />
Todavia Gregorio ordenou que dessem<br />
de comer a Pedro Ruivo e voltou<br />
á sala para a palestra.<br />
N'essa occasião acabara de chegar<br />
o padre Almeida.<br />
XXXVI<br />
ENTRE MENINO E HOMEM<br />
O padre Almeida era um homem<br />
forte, sangüíneo, cheio de gestos<br />
largos, que diziam muito bom com<br />
a sua ruidosa voz debaixo profundo.<br />
Nascera em Portugal, mas na educação<br />
entrara-lhe algum elemento<br />
italiano e francez, que o faziam<br />
talvez menos espiritual, porém com<br />
certeza mais expansivo e sociavel.<br />
Não gostava de hypocrisias, contava<br />
lealmente as escapulas que fazia<br />
do estreito circulo de sua fé, e não<br />
tinha pelos maçons, pelos positivistas<br />
e pelos atheos o ódio ridículo<br />
que costumam ter os padres vulgares.