Baixar - Brasiliana USP
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lhes pudessem acarretar qualquer<br />
despeza, privaram-se de tudo que não<br />
fosse restriotamente indispensável.<br />
Em breve seria necessário, depois de<br />
vendidas as jóias ^arrancar do fundo<br />
da gaveta alguns d'esses objectos de<br />
valor, que ás vezes conservamos como<br />
a ultima lembrança de um bom passado.<br />
Ah I E' como se os arrancássemos<br />
do fundo do coração 1 Qual é a mãe,<br />
qual é a avósinha, que não conserva,<br />
embrulhado em papel de seda, os<br />
brincos com que casou ou a medalha<br />
em que guardava o retrato do marido<br />
ou do filho ?<br />
Quem não possue um d'esses legados<br />
da felicidade, que, por mais insignificante<br />
que seja, não represente<br />
toda uma existência inteira?...<br />
Depois de vendido o piano, a mobília<br />
da sala de visitas e o mais que<br />
podia dar alguma cousa, D. Januaria,<br />
na contingência de obter dinheiro,<br />
resignou-se á separação dos poucos<br />
objectos de luxo, que conservara do<br />
tempo do marido. Abrio a velha gaveta<br />
de sua commoda, mas ao tocar<br />
em uma caixinha de madeira pollida,<br />
embalsamada pela antigüidade, as<br />
mãos principiaram-lhe a tremer e as<br />
lagrimas saltaram-lhe dos olhos.<br />
Estava ahi um collar de pérolas,<br />
que o marido lhe atara ao collo na<br />
noite do casamento. N'esse tempo<br />
ella era formosa, moça, e cheia de<br />
esperanças, as pérolas assentavam<br />
tão bem na sua pelle morena e fresca!<br />
Mas desmereciam de brilho e brancura,<br />
quando ella sorria e mostrava<br />
as outras pérolas da bocca.<br />
Entretanto estas. amarelleceram e<br />
cahiram, como as folhas no outono,<br />
e aquellas conservaram o mesmo<br />
brilho e a mesma alvura.<br />
6<br />
MYSTERIO DA TIJUCA 41<br />
Ao ver esses objeftos,. testemunhas<br />
de sua extincta mocidade e<br />
cúmplices discretos de sua longínqua<br />
ventura, a pobre senhora transportou-se<br />
ao passado e ficou a meditar<br />
longamente. O que lhe restava<br />
de tudo isso ?!<br />
O que ficou de tanto amor, de<br />
tanta belleza, de tanta juventude ?!<br />
— Nada! Só ella! Ella, que por bem<br />
dizer j á não existia !...<br />
E, tomando nas mãos tremulas oi<br />
objectos que tirara da caixinha, beijou-os<br />
repetidas vezes, a ahafar os<br />
soluços, para que Clorinda não os<br />
ouvisse da sala próxima.<br />
— Mas é sempre certo que te tens<br />
de separar d'elles ? Perguntava-lhe o<br />
coração, a gemer.—Não reparas, velhadesalmada!<br />
Que esses objectos são<br />
a única cousa que te falia do passado?<br />
Não reparas que em torno de<br />
ti já morreram aquelles que viveram<br />
no teu tempo, aquelles que te amaram<br />
e te viram bella? ! Pôde mandal-os<br />
embora, vende-os, mas vai-te<br />
também embora para a tua cova, que<br />
nada mais tens de fazer cá no mundo !<br />
Clorinda, que se approximára da<br />
mãe, sem ser sentida, encontrou-a a<br />
gesticular n'este dialogo, a mexer<br />
com os braços e a sacudir a cabeça,<br />
desvairadamente em grande trasbordamento<br />
de lagrimas.<br />
— Que é isto mâesinha?! O que<br />
tem a senhora ?!<br />
A velha olhou-a com sobresalto, e<br />
guardou contra o seio despojado o<br />
cofre de suas relíquias.<br />
— Mâesinha! Valha-me Deus ! O<br />
que é isto ?<br />
A velha não respondeu e continuou<br />
a encaral-a com desconfiança.<br />
Havia desapparecido de seu rosto a<br />
doce expressão de bondade e ter-