Baixar - Brasiliana USP
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204 MYSTERIO DA TIJUCA<br />
pachar receitas, a misturar unguentos<br />
e embolar pílulas. A's nove horas<br />
subia para almoçar, e, mal terminado<br />
o almoço, voltava ao trabalho,<br />
sem nunca descobrir a cabeça. O<br />
jantar era justamente a mesma coisa,<br />
com a differença das horas. De resto<br />
não ia a theatros, não visitava ninguém,<br />
que estivesse de saúde, e o<br />
tiro das nove da noite já o encontrava<br />
dormindo, não de chapéu, mas<br />
de barrete de algodão. O outro, o<br />
companheiro de todo o dia, descansava<br />
então ao lado da cama, dentro<br />
de uma caixa de couro.<br />
Era muito popular, muito conhecido,<br />
se bem que pouco estimado.<br />
Contavam delle algumas anedoctas<br />
engraçadas e attribuiam-lhe pequeninos<br />
factos de grande miséria.<br />
As circumstancias, que fizeram<br />
d'elle tutor de Mathilde, não podem<br />
interessar a ninguém. A rapariga era<br />
filha de um sujeito, que fora seu caixeiro<br />
em 1830 e que lhe pedira na<br />
hora da morte tomasse conta da pequenita.<br />
Como o agonisante deixava<br />
para ahi fortuna superior a quatrocentos<br />
contos, o pharmaceutico encarregou-se<br />
da tutoria e mais tarde<br />
diziam até pela bocca pequena que<br />
elle especulava com os bens da orphã.<br />
Contos largos. O certo é que Moreira,<br />
tal se chamava o pharmaceutico,<br />
por mais de uma vez dera aos<br />
demônios similhante massada, e jurara,<br />
sem tirar o chapéu da cabeça,<br />
que nunca mais cahiria na esparrela<br />
de se fazer tutor de ninguém !— Nem<br />
de meu próprio pai, que se apresentasse<br />
! bradava elle cheio de indignação.<br />
Entretanto Mathilde muito pouco<br />
o poderia preoecupar, porque era de<br />
seu natural não exigente e summamente<br />
dócil.<br />
Não tinha nada de bonita, nem de<br />
espirituosa, mas dispunha de um<br />
todo sympathico e bondoso. Não attrahia<br />
pelos encantos, mas encantava<br />
pela simplicidade de seus gostos,<br />
pela doçura de sua voz e pela docilidade<br />
de seu gênio.<br />
O áureo cheiro do dote dava-lhe á<br />
muitos olhos certo prestigio, e puxava<br />
sobre ella as vistas cubiçosas<br />
de uma matilha de galfarros.<br />
Mas de todos os pretendentes era<br />
Portella o que até ahi mais parecia<br />
preferido, tanto pela abastada rapariga,<br />
como por D. Januaria, cuja opinião<br />
não era para desprezar em similhante<br />
assumpto.<br />
D. Januaria gosava para o Moreira,<br />
e para muita gente, immaculada reputação<br />
de honesta. Em sua longa e<br />
pobre viuvez ninguém achara nunca<br />
com que lhe ennodoar a pureza dos<br />
costumes e a austeridade da condueta.<br />
Ser honesta ao lado de um marido<br />
moço, forte, e de cujas mãos caiam<br />
nas da mulher os recursos necessários<br />
para manter confortável e decentemente<br />
a vida, muito pouco será ;<br />
mas ser honesta, quando é preciso<br />
tirar da agulha e do ferro de engommar<br />
os meios de subsistência; ser<br />
honesta aos vinte annos, quando<br />
temos a bolsa pobre e o sangue rico,<br />
quando o almario está vazio, mas a<br />
imaginação cheia, quando a cosinha<br />
está gelada, mas o coração encandecido;<br />
ser honesta com os cabellos<br />
pretos, a tez limpa e fresca, os olhos<br />
brilhantes e formosos; ser honesta<br />
quando se tem todos os dentes e não<br />
se tem o que comer ; quando se tem<br />
um collo branco e macio e não se tem