Baixar - Brasiliana USP
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olhos em paz ! Cecília era o meu ultimo<br />
cuidado.<br />
— Não te afflijas ! Eu velarei pelo<br />
seu destino.<br />
— Obrigado ! muito obrigado .'<br />
E o conde morreu dois dias depois,<br />
repetindo ao coronel as suas recommendações.<br />
Foi d'esta fôrma que, por occasião<br />
da morte de Helena e da miserável<br />
fuga de Pedro Ruivo, Cecília recebeu<br />
em casa • a visita do velho coronel.<br />
A figura austera e encanecida do<br />
veterano, a calma resolução de seu<br />
porte marcial, e a singela energia do<br />
tom de suas palavras, inspiraram á<br />
orphã immediata confiança. Ella,<br />
porém, não se podia furtar á certa<br />
estranheza que lhe causava semelhante<br />
visita, principalmente depois<br />
de saber que o velho ia resolvido a leval-a<br />
para a companhia de. sua família.<br />
O coronel comprehendeu a sorpreza<br />
da menina e acrescentou.<br />
— Cumpro um dever sagrado, minha<br />
filha: seu pae recommendou-me<br />
qiie não a desamparasse quando visse<br />
que a senhora precisava de algum<br />
auxilio. Creio que chegou a occasião;<br />
está orphã e sem arrimo. Cumpre-me<br />
amparal-a; serei seu pae de hoje em<br />
diante.<br />
Cecília aceitou commovida a generosa<br />
mão que se lhe estendia; mas<br />
a idéa dolorosa de seu estado perturbava-lhe<br />
o espirito e a fazia receiar<br />
qualquer conseqüência má de<br />
tudo aquillo. Entretanto que remédio<br />
tinha ella senão aceitar de olhos<br />
fechados aquelle recurso ou então<br />
voltar a primitiva idéa do suicídio?!<br />
Mas é tão difficil morrer na sua<br />
edade!<br />
É tão difficil abandonar a vida,<br />
quando os prados tem flores; o céo<br />
MYSTERIO DA TIJUCA 69<br />
tem segredos; e as noites nos faliam<br />
de illusões nas suas mysteriosas vozes<br />
e no brilho melancólico de suas<br />
estrellas !... Porém si aceitasse, como<br />
supportar a exhibição de sua falta? !<br />
Como patentear o corpo de delicto,<br />
que lhe avultaria nas entranhas?<br />
Como poderia ella se justificar de tamanha<br />
criminalidade? !—Si ao menos<br />
pudessem avaliar, julgava cila comsigo—quanto<br />
ncs,as mulheres, somos<br />
escravas do coração; quanto a natureza<br />
nos fez passivas e crédulas ! Si pudessem<br />
avaliar o modo porque succumbimos<br />
á primeira falta; si soubessem<br />
como acreditamos no homem,<br />
que nos assalta o coração pela primeira<br />
vez! Mas não! Ninguém<br />
criminará o seduetor e todos amaldiçoarão<br />
a victima! Ninguém se<br />
lembrará que minha culpa vem. de<br />
minha innocencia, de minha virgindade<br />
e da singella expontaneidade<br />
de meu amor! Todos escarnecerão<br />
de mim ; todos rirão de minha desgraça<br />
; só porque não fui tão friamente<br />
calculada, tão previdentemente<br />
reflectida, que soubesse empregar as<br />
astucias e as artimanhas necessárias<br />
para equilibrar o amor de meu noivo,<br />
de modo que elle não fugisse por<br />
uma vez desesperançado ; nem tão<br />
ponco fugisse por haver conseguido<br />
já o que desejava. E, porque não tive<br />
o talento de ser hypocrita, de fazer<br />
negaças e de tirar partido de minha<br />
mocidade e de minha belleza, hei de<br />
passar por uma creatura ruim, por<br />
uma mulher de maus instinetos, por<br />
um ente desprezível e máo, que se<br />
deve evitar como se evita a peste.<br />
— Mas se assim é—continuava ella<br />
a considerar—porque capricho creou<br />
a natureza o amor com toda a sua<br />
cegueira, com toda a sua boa fé, e