Baixar - Brasiliana USP
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o bastante para nos enlouquecer,<br />
para nos arrastar a todos os escolhos.<br />
Entretanto alli estava a<br />
mesma Thereza, que o fizera delirar<br />
em'outras épocas!... Corno a nossa<br />
matéria é fraca ou como a natureza<br />
é esperta! Como esta armava bem<br />
o seu interesse, como sábia impor as<br />
suas leis de reproducção e de vida! E<br />
todavia queriam os homens do rigor<br />
e da austeridade que se pudesse fugir<br />
desppticamente a todas essas imposições',<br />
tão finamente preparadas ! tão<br />
sabiamente armadas debaixo de nossos<br />
pés.<br />
E depois de fazer todas essas considerações,<br />
uma tristeza profunda,<br />
um aborrecimento doloroso, negro,<br />
humido, pegajoso, entrou-lhe no coração<br />
e começou a inchar-lhe lá dentro<br />
como um sapo preso em um apertado<br />
Cano de esgoto.<br />
E com effeito o coração d'aquelle<br />
homem era um cano de esgoto. Por<br />
elle desfilavam todas as imroundicias<br />
de sua alma, todos os negrumes<br />
de seu caracter, todas as fezes de<br />
sua ambição e todos os vícios de seu<br />
sangue máo.<br />
Não se teria demorado um instante<br />
ao lado de Thereza se não precisasse<br />
d'ella para alguma cousa que o interessasse.<br />
O espectaculo asqueroso d'aquelle<br />
desfacelamento impudico, que<br />
lembrava um cadáver, que tivesse a<br />
fantasia devir apodrecer capara fora,<br />
em boa camaradagem com os vivos,<br />
repellia-o grosseiramente. Portella<br />
estava impaciente por conseguir o<br />
que desejava da mulher do commendador<br />
e pôr-se a caminho para longe,<br />
para bem longe, onde não pudesse<br />
chegar o cheiro repellente d'aquella<br />
desgraça e d'aquella miséria.<br />
Sentia-se tão apressado que não<br />
MYSTERIO DA TIJUCA 185<br />
esperou terminar o vôo das divagações<br />
de Thereza, foi logo a interrompendo<br />
e declarando francamente<br />
que ia alli levado pela necessidade<br />
de alcançar das mãos do<br />
commendador um papel assignado<br />
por elle.<br />
— Que papel? perguntou Thereza.<br />
— Pois não sabe que deixei um documento<br />
em poder de teu marido,<br />
declarando os obséquios que recebi<br />
d'elle, as relações que tive comigo,<br />
aquelle projecto de envenenal-o e<br />
ainda outras cousas de que já não<br />
me recordo ? !...<br />
Essas taes cousas de que elle já não<br />
se recordava, não lhe faziam conta<br />
declarar quaes eram, porque implicavam<br />
directamente com o futuro de<br />
Thereza.<br />
— Mas emfim! perguntou ella —<br />
O que desejas de mim ?<br />
— Eu desejo em primeiro logar<br />
saber se esse papel não está em teu<br />
poder, respondeu elle.<br />
— Pois se eu até ignorava da existência<br />
de similhante cousa!...<br />
— Bem, pois então o que eu desejo<br />
é que o obtenhas de teu marido, que<br />
o subtraias a todo o transe do logar<br />
em que está. Preciso apoderar-me<br />
d'esse documento ! Não poderei dar<br />
um passo aqui no Rio de Janeiro,<br />
emquanto elle existir nas mãos do<br />
commendador.<br />
— Mas como posso fazer o que desej<br />
as ?... bem sabes que...<br />
— Não fizeste as pazes com o<br />
commendador ? ! Disseram-me que<br />
tinhas voltado á casa, que moráras<br />
em companhia delle, que havias<br />
adoecido, que foras para Santa Thereza<br />
á procura de ares mais favoráveis,<br />
e que afinal te havias enterrado<br />
aqui, em Cascadura, e vivias só,