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Baixar - Brasiliana USP

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220 MYSTERIO DA TIJUCA<br />

já ser o charco infecto, d'onde se<br />

ouve o triste e aborrecido coaxar<br />

das rãs.<br />

E' assim a vida. O que hoje é flor,<br />

amanhã é fructo c depois estéreo. De<br />

um dia para outro, a lagarta se<br />

transforma em borboleta.<br />

Em toda a natureza não ha objecto<br />

que, por mais encantador, não apresente<br />

seu lado antipathico; nem<br />

outro, que por mais repugnante e<br />

miseravel,não descubra alguma cousa<br />

de bom. A rosa tem espinhos ; o almiscareiro<br />

tem perfumes, e as cobras<br />

têm as cores do ceu. E' nojenta a<br />

larva, mas o seu visgo ao sol brilha<br />

como o diamante ; a cantharida sae<br />

da podridão, mas suas azas são feitas<br />

de ouro e esmeralda ; a aranha é<br />

repulsiva, mas tem a fôrma de uma<br />

estrella.<br />

E tudo mais é assim. Nada ha totalmente<br />

perfeito ; nada totalmente<br />

feio.<br />

Cada homem tem dentro de si um<br />

heroe e um saltimbanco. Póde-se ter<br />

na fronte a aureola do gênio e nas<br />

costas o rabo do macaco. O mesmo<br />

sentimento que é ridículo para uns,<br />

é sublime para outros; o que faz<br />

chorar dez pessoas, faz rir a outras<br />

tantas. Cada mulher tem um pé no<br />

ideal e o outro no burlesco; ás vezes<br />

tem uma aza de anjo e outra de demônio.<br />

A de anjo puchapara o céu,<br />

a outra para o mundo. Os cabellos<br />

brancos, que a uns provocam beijos<br />

e lagrimas de ternura, arrancam<br />

d'outros phrazes de escarneo e zombaria.<br />

Como é possível, por conseguinte,<br />

só pintar cousas boas, ou sódesfibrar<br />

•ousas más ?!<br />

Não! Quem quiser copiar a nossa<br />

natureza e retratar os sentimentos do<br />

brazileiro, ha de fatalmente verter<br />

no seu quadro todas as cores, lançar<br />

mão de todos os processos. Nada se<br />

pôde emittir; não se pôde escolher<br />

esta ou aquella escola estabelecida<br />

no romance, por que nenhuma d'ellas<br />

nos convém. Não ha systema creado<br />

que nos possa aproveitar. Umas<br />

cousas pedem r.otas graves, tintas<br />

sombrias, traços largos; outras querem<br />

os sons agudos, o desenho minucioso.<br />

Para pintar tal scena precisamos<br />

desfazer as tintas na gargalhada<br />

e na ironia; para pintar aquella<br />

outra só o conseguimos fazer com as<br />

próprias lagrimas.<br />

D'ahi esse mistiforio de figuras,<br />

de posições, de termos e de colorido.<br />

O artista moderno não deve apparecer<br />

nunca nos seus trabalhos, sem<br />

todavia nunca se separar delles.<br />

Nada de corrigir, nada de embellezar.<br />

Sua missão é rocolher photographicamente<br />

no cérebro o que se<br />

passa em torno delle, e reproduzir<br />

tudo isso no livro, na tela ou na<br />

musica ou no mármore, depois de<br />

filtrado pela sua alma, pela sua individualidade.<br />

Cada objecto, uma<br />

vez reproduzido, deve conservar intacta<br />

a fôrma, o caracter, a côr e o<br />

cheiro.<br />

O artista precisa abrir o coração<br />

ao meio, fazer d'elle uma palheta,<br />

uma palheta enorme, que comporte<br />

a substancia de todas as paixões<br />

agitadas em torno d'elle. E' preciso<br />

que haja de tudo n'essa vasta<br />

palheta — um pouco de riso, um<br />

pouco de fel, um raio da aurora, uma<br />

lagrima de amor, o sopro das brisas,<br />

o nectar das flores, o veneno dos<br />

reptis, um pouco do azul do céu e<br />

um pouco dos negrumes da noite, o<br />

perfume da violeta, a treva do crime,

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