Baixar - Brasiliana USP
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94<br />
o habito de tratar com pessoas finas,<br />
dera-lhe esse geito particular dos<br />
homens de educação, que sempre<br />
conservamos, mesmo depois de percorrermos<br />
toda a escala das depravações.<br />
Pedro Ruivo também tivera mãe,<br />
também bebera com o leite a delicada<br />
sensibilidade feminil, a doce<br />
ternura materna, que uma vez infiltradas<br />
em nossa alma tem de influenciar<br />
em toda nossa existência. Estranho<br />
phenomeno do primeiro amor<br />
que recebemos no berço, quando<br />
ainda não attingimos a comprehenção<br />
das cousas que nos cercam.<br />
Quem poderia acreditar que um<br />
beijo, uma ternura, uma phrase<br />
meiga e amorosa, balbuciada na<br />
sombra ignorada da alcova em que<br />
nascemos, tivesse de governar e dirigir<br />
mais tarde todos os nossos actos<br />
e todos os nossos sentimentos? Quem<br />
poderia conceber a idéa d'esse poder<br />
mysterioso, d'essa lei incomprehensivel<br />
que determina as faculdades de<br />
nosso caracter e todos os defeitos,<br />
todas as virtudes, e todas as manifestações<br />
de nosso coração?<br />
O salteador, o bandido, que jamais<br />
conheceu os carinhos maternos, será<br />
fatalmente insensível a tudo e inabalável<br />
ás scenas mais pungentes das<br />
desgraças humanas; não, porém, o<br />
malfeitor, que ouviu no berço as<br />
doces canções de sua mãe, aquelle<br />
que em pequenino adormeceu ouvindo<br />
a musica inimitável dos beijos,<br />
aquelle que respirou o perfume de um<br />
peito entumecido de leite, aquelle<br />
que foi penetrado pela tepidez confortadora<br />
de um seio materno, esse<br />
encontrará na mais dura situação de<br />
sua vida, no ultimo degráo de seus<br />
vicios a no ta dolorosa e ao mesmo<br />
MYSTERIO DA TIJUCA<br />
tempo consoladora, que lhe parecia<br />
extincta no coração, mas que de facto<br />
havia apenas adormecido.<br />
Gregorio fazia considerações d'esta<br />
ordem ao contemplar a figura scismadora<br />
de Pedro Ruivo. Não teve vontade<br />
de rir, como os outros rapazes;<br />
ao contrario, levado pelo sentimentalismo<br />
de seu temperamento, toda a<br />
sua vontade foi de penetrar na intimidade<br />
do vulto mysterioso que<br />
tinha defronte dos olhos e procurar<br />
arrancar-lhe qualquer revelação, que<br />
lhe dissesse o que ia por aquella alma.<br />
— Com effeito ! considerava elle—<br />
o que não haverá de extraordinário<br />
na vida d'este homem? ! Que estranhas<br />
circumstancias não o teriam<br />
arremeçado a este extremo de miséria<br />
e de indifferença?! O que não lhe<br />
teria succedido para o conduzir a<br />
todo este aviltamento ?! Será simplesmente<br />
um gatuno?! Será um<br />
libertino?! Ou será uma victima de<br />
mil infortúnios ?!<br />
Já tivemos occasião de fallar ao<br />
leitor do talento com que Pedro<br />
Ruivo armava a expressão de sua physionomia<br />
e o proveito que elle sabia<br />
tirar d'esse talento. Não sabemos<br />
todavia se isso parecerá fora do natural,<br />
mas o que podemos afiançar é<br />
que tal propriedade existe em certos<br />
homens, eque Gregorio, ou fosse por<br />
um próprio impulso de seu temperamento,<br />
ou fosse por qualquer outro<br />
motivo, sentiu-se summamente interessado<br />
pelo homem a quem ha<br />
pouco perseguia. Tanto que, depois<br />
de encaral-o por meia hora, perguntou-lhe<br />
amigavelmente o que elle<br />
viera fazer alli.<br />
Pedro Ruivo sacudiu os hombros.<br />
— Em que se occupa o senhor ?<br />
Onde mora ? Perguntou Gregorio.