Baixar - Brasiliana USP
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9» MYSTÉRIO DA TIJUCA<br />
A noite formou-se de todo. Uma<br />
bella noite luminosa, cheia de estreitas.<br />
Pedro Ruivo continuava a<br />
tatear o eofre, quando de repente<br />
sente fugir-lhe debaixo dos dedos a<br />
extremidade do angulo de umas das<br />
lâminas.<br />
— Ah ! Disse elle sem poder conter<br />
a alegria. Estava tudo descoberto.<br />
Tudo, até o próprio Ruivo, porque o<br />
«eu grito chamara a attenção do<br />
hoteleiro, papa Falconnet, que<br />
n'aquella occasião passeiava pela<br />
chácara a refazer-se com o fresco da<br />
noite.<br />
Papá Falconnet era um bello velho<br />
francez de setenta e tantos annos,<br />
porém ainda muito senhor de todas<br />
as suas faculdades physicas e intellectuaes.<br />
Homem de pouca estatura,<br />
grosso de hombro, pulsos rijos, cabeça<br />
perfeitamente coberta de cabellos<br />
grisalhos, curtos e crespos,<br />
bigodes e barba á cavaignac. olhos<br />
vivos, pescoço reforçado e dentes<br />
ainda vigorosos.<br />
E o bom do velho tinha uma certa<br />
vaidade com aquella fortaleza. —<br />
Pois olhem que não foi porque não<br />
aproveitasse bem a minha mocidade !<br />
exclamava elle de bom humor, a<br />
quem lhe elogiava os seus bellos<br />
setenta e dous annos. E afiançava<br />
sempre que antes de engolir os trinta<br />
e tantos annos que tinha do Rio de<br />
Janeiro, já havia grammado vinte<br />
em Paris, dez na Bélgica e outros<br />
dez em Bordeaux, e que durante<br />
todo esse período, só duas coisas conhecera<br />
que verdadeiramente o assombraram<br />
: — Era Napoleão Bonaparte<br />
e a portentosa natureza do<br />
Brazil.<br />
Falconnet nascera sob o império<br />
napoleonico, palpitara a sua moci<br />
dade com os dramas agitados do<br />
grande corso e nunca mais se pudera<br />
fugir á romântica influencia d'esse<br />
tempo. Ainda agora, quando alguém<br />
lhe fallava de Austerlitz, de Marengo,<br />
Ratisbonne ou de outra qualquer victoria<br />
do feliz capitão, os olho» do<br />
velho hoteleiro enchiam-se de enthusiasmo,<br />
a cabeça parecia mais desempanada,<br />
e com um braço no ar<br />
principiava elle a cantar o hymno de<br />
seu paiz.<br />
Os hospedes tratavam-n'o todos<br />
com uma grande liberdade amiga —<br />
batiam-lhe nos hombros e perguntavam-lhe<br />
como iam seus amores.<br />
Falconnet ria, fingia zangar-sp, ralhava,<br />
mas d'ahi a pouco mettia-se<br />
na troça com os rapazes e não se<br />
lembrava mais de que tinha o triplo<br />
da edade de cada um d'elles.<br />
Pois foi esse homem de setenta e<br />
tantos annos quem descobriu Pedro<br />
Ruivo escondido por entre as arvores<br />
da alameda. — O que faz você ahi ?!<br />
perguntou elle approximando-se.<br />
— Estou descansado, disse o gatuno,<br />
procurando esconder o cofre.<br />
— Pois venha descansar cá para<br />
dentro, aconselhou o velho, approximando-se<br />
mais, disfarçadamente.<br />
E quando o Ruivo ia abrir carreira<br />
por entre o mato. já o francez<br />
ganhara de um salto a distancia que<br />
os separava e o empolgava pelos<br />
braços.Não foi preciso sustel-o durante<br />
muito tempo,porque appareceu logo<br />
o hortelão, que estava pert), epouco<br />
depois os hospedes, a cujos ouvidos<br />
chegaram os gritos do hoteleiro.<br />
Mas, na occasião em que conduziam<br />
Pedro Ruivo para a casa, deu<br />
este um arranco das mãos, que n'essa<br />
occasião o seguravam, e ganhou o<br />
mato, pelo lado das montanhas.