Baixar - Brasiliana USP
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70<br />
com todos os seus perigos ?! Porque<br />
razão não se queixam contra o creador<br />
de haver formado o nosso coração<br />
de carne e não de pedra? Porque não<br />
o responsabilisam de nossa ternura,<br />
de nossa fraqueza e dos reclamos de<br />
nosso sangue ? ! Se tínhamos de<br />
fazer calar todas as vozes interiores,<br />
para que inventaram na natureza<br />
outras tantas vozes que as correspondem,<br />
e que nos ensinam a descobrir<br />
o objecto de nossos sonhos apaixonados<br />
/<br />
E Cecília revoltava-se de ante-mão<br />
contra a injustiça, que presentia sobre<br />
ella. Na sua consciência e no SPU<br />
coração nada a accusava—não sentia<br />
o menor remorso do que fizera,<br />
como não sentia appetites de vingança.<br />
Se tinha algum desejo, era<br />
de perdoar o homem a quem se dera,<br />
c pedir-lhe que abençoasse com seus<br />
beijos o filhinho.<br />
XXVII<br />
A ENFERMEIRA<br />
MYSTERIO DA TIJUCA<br />
Cecília foi afinal para a casa do<br />
coronel.<br />
Morava este retirado da cidade,<br />
em umabella e simples vivenda campestre,<br />
na companhia de uma irmã<br />
tão velha como elle e de uma filha,<br />
que era o encanto de seus olhos já<br />
amortecidos e o sol de sua longa<br />
viuvez.<br />
Chamava-se Margarida. Um sonho<br />
de vinte e dous annos: olhos azues,<br />
de uma grande doçura ingênua, cabellos<br />
louros, reseccos, e quasi sempre<br />
ennastrados em uma trança solitária,<br />
que lhe cahia singellamente<br />
ao comprido das costas.<br />
Contradizia um tanto do seu sorrir<br />
triste de mulher, o doce ar de menina<br />
enferma, que obrigava o velho soldado<br />
a constantes sobresaltos pela<br />
saúde da filha. Receiava que ella não<br />
tivesse forças para viver: Margarida<br />
fora sempre propensa ás moléstias<br />
pulmonares. Em pequenina os médicos<br />
a desenganaram, e, de então para<br />
cá, sua vida era tratada como objecto<br />
delicadíssimo, que se pôde quebrar<br />
com o menor sopro. E seria isso o<br />
que sem duvida teria succedido, si<br />
com a viuvez do coronel, não se apresentasse<br />
sua irmã, disposta a servir<br />
de mãe á Margarida.<br />
O coronel enviuvara quando a filha<br />
tinha apenas cinco annos, e desde<br />
então nunca mais D. Germana, sua<br />
irmã, os desamparou.<br />
Póde-se por conseguinte calcular<br />
o estado em que ficou o coronel, sabendo,<br />
ao chegar á casa, que Germana<br />
estava perigosamente enferma,<br />
e que Margarida não lhe abandonava<br />
a cabeceira e passava em claro noites<br />
consecutivas.<br />
Mas não tinha de ficar ahi sua<br />
amargura. Dias depois morria a mãe<br />
adoptiva de Margarida, e esta por<br />
sua vez cahia seriamente prostrada<br />
pela moléstia. Foi então que, de volta<br />
dos estudos, appareceu em casa do<br />
coronel o conde de S. Francisco.<br />
Ia agradecer os últimos obséquios<br />
prestados pelo veterano a seu pai.<br />
Em sua companhia levava um capitão<br />
de marinha, ainda bastante moço,<br />
com quem travara relações no mar,<br />
e de quem se tornara muito amigo.<br />
O conde offereceu á irmã bastarda<br />
os serviços que estivessem a sua disposição,<br />
e apresentou-lhe o official de<br />
marinha com as palavras mais lisongeiras<br />
que encontrou.<br />
Tencionavam os dois amigos, uma<br />
vez desempedidos da obrigação deli-