literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...
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1 Éle Semog. Ca<strong>de</strong>rnos Negros, 1996, n. 19, p.59.<br />
116 Literatura afro-brasileira<br />
correm atrás das minhas razões,<br />
por esses labirintos finitos<br />
enredados <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong>mocracia,<br />
só para eu sair nos jornais,<br />
morto na foto, sangue vazando pelos ouvidos.<br />
Toda vez que eles gritam: pobre!<br />
é a tortura, é o estampido, é a vala.<br />
É a nossa dor que tranqüiliza os ricos.<br />
Alô rapaziada... tem <strong>de</strong> antenar o dia:<br />
o vento que venta lá, venta cá. 1<br />
No poema “Razões”, publicado na antologia Razões da Chama,<br />
organizada por Oswaldo Camargo em 1997, a motivação do<br />
fazer poético e a intenção <strong>de</strong>sse fazer são privilegiados:<br />
A poesia é o meu recanto<br />
A minha fuga.<br />
Mesmo assim, escrevo poemas<br />
Como quem joga pedras.<br />
Escrever “como quem joga pedras” diz bem da intenção<br />
daquele sujeito que, ciente da visão <strong>de</strong>preciativa que a socieda<strong>de</strong><br />
tem sobre os excluídos pela cor, pela pobreza, precisa apren<strong>de</strong>r a<br />
resistir às agressões, às provocações. De alguma maneira, a proposta<br />
<strong>de</strong> escrever “como quem joga pedras” <strong>de</strong>termina os componentes<br />
<strong>de</strong> uma poesia que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> enfrentar as situações em que,<br />
conforme se diz no poema anterior, “Negro, fico sem cor”. Em<br />
entrevista publicada pela revista Callaloo (1995), Éle Semog revela<br />
a intenção <strong>de</strong> trazer para os seus textos a questão racial e a <strong>de</strong>núncia<br />
ao preconceito, utilizando uma outra estratégia. A <strong>literatura</strong>,<br />
embora militante, <strong>de</strong>ve trazer para a cena outros temas. Precisa<br />
atacar a discriminação falando do amor, do carinho pela criança<br />
negra, do “beijo na boca da mulher negra”. A palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m,<br />
na opinião do escritor, precisa assumir diferentes temas que nem<br />
sempre estão presentes na <strong>literatura</strong> negra militante.<br />
Na obra <strong>de</strong> Éle Semog, portanto, a <strong>de</strong>núncia não impe<strong>de</strong> o<br />
toque <strong>de</strong> ternura, o registro do preconceito não abafa a expressão<br />
dos sentimentos mais íntimos, pois esses estão presentes em vários<br />
<strong>de</strong> seus poemas. O viés da ironia é a estratégia mais forte com<br />
que o escritor procura agredir o racismo às vezes sutil da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira.