16.04.2013 Views

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

pois perguntei a Berenice, esperando ela acabar o misto,<br />

se aquilo era coisa corrente na turminha, que eu<br />

estava por fora. Então ela se empolgou e me falou do<br />

movimento <strong>de</strong> reivindicação cultural, fincado na África<br />

em 1930 e eu falei “poxa”, eu nem tinha nascido, isso<br />

é velho e eu nem sabia”.<br />

Berenice chegou pertinho <strong>de</strong> mim e se encostou no<br />

meu ombro par me mostrar aquele capítulo do Abdias<br />

e eu senti um perfume fininho como roseira <strong>de</strong> noite,<br />

aí lembrei mais <strong>de</strong> mim garotinho. Eu via minha<br />

infância, enquanto Berenice lia alto a página do<br />

Abdias e sua coxa, sem querer, eu acho, se encostou<br />

na minha, pois ela se entusiasmava com a leitura e<br />

parecia que encostada em mim ela me explicava melhor:<br />

— “Negritu<strong>de</strong>” é, antes <strong>de</strong> tudo, uma atitu<strong>de</strong>, quatrocentos<br />

anos <strong>de</strong> servidão...”, mas eu senti um calor<br />

no corpo, fiquei quieto e a voz <strong>de</strong>la conversava<br />

com a minha tristeza, lá na infância, lá em Maralinga,<br />

on<strong>de</strong> meu pai me levou pra eu esperar o futuro...<br />

Quando Berenice acabou, percebi que eu estava mal<br />

<strong>de</strong> “negritu<strong>de</strong>”, eu era um que não sabia, que ficava<br />

ouvindo o Neco batucar no caixote, e parado no<br />

“Malungo”, enquanto a África caminhava sem a nossa<br />

mão <strong>de</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.<br />

Então Berenice se <strong>de</strong>sencostou <strong>de</strong> mim e eu percebi<br />

que nem estava sentindo mais nada, indiferente ao<br />

contato <strong>de</strong>la, ao seu calor e cheiro gostoso. E quando<br />

ela perguntou se eu tinha gostado da página do<br />

Abdias, falei “estou tão cansado, <strong>de</strong>sanimado, eu não<br />

tenho jeito, Berenice”. 29<br />

Literatura afro-brasileira 155<br />

29 Oswaldo <strong>de</strong> Camargo. Negritu<strong>de</strong>. In: O carro do<br />

êxito. São Paulo: Livraria Martins, 1972. p.73-75.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!